quinta-feira, maio 29, 2008

Os dois remos

Um viajante caminhava pelas margens de um grande lago de águas cristalinas e imaginava uma forma de chegar até o outro lado, onde era seu destino.
Suspirou profundamente enquanto tentava fixar o olhar no horizonte. A voz de um homem de cabelos brancos quebrou o silêncio momentâneo, oferecendo-se para transportá-lo. Era um barqueiro.
O pequeno barco envelhecido, no qual a travessia seria realizada, era provido de dois remos de madeira de carvalho. O viajante olhou detidamente e percebeu o que pareciam ser letras em cada remo. Ao colocar os pés empoeirados dentro do barco, observou que eram mesmo duas palavras. Num dos remos estava entalhada a palavra acreditar e no outro agir.
Não podendo conter a curiosidade, perguntou a razão daqueles nomes originais dados aos remos. O barqueiro pegou o remo, no qual estava escrito acreditar, e remou com toda força. O barco, então, começou a dar voltas sem sair do lugar em que estava. Em seguida, pegou o remo em que estava escrito agir e remou com todo vigor. Novamente o barco girou em sentido oposto, sem ir adiante.
Finalmente, o velho barqueiro, segurando os dois remos, movimentou-os ao mesmo tempo e o barco, impulsionado por ambos os lados, navegou através das águas do lago, chegando calmamente à outra margem.
Então o barqueiro disse ao viajante:
- Para que o barco navegue seguro e alcance a meta pretendida, é preciso que utilizemos os dois remos ao mesmo tempo e com a mesma intensidade
.


www..., autor desconhecido

quarta-feira, maio 28, 2008

O ciclo único, a pedagogia única e o poder único

Esse é o título do artigo de Santana Castilho no Público de hoje.

Não me cansarei de chamar a atenção para as consequências do Decreto-lei nº 43/2007, que estabeleceu o novo regime de formação para a docência e que tanto me escandalizou - e escandaliza - quanto à formação de professores para o actual 2º Ciclo do Ensino Básico, seja este assim designado, ou venha a ser integrado num futuramente chamado 1º Ciclo (a questão não está na designação). Assim, deixo um excerto do artigo de Santana Castilho (sem link para o próprio artigo porque só é acessível online a assinantes, mas cuja transcrição pode ser lida na íntegra aqui).

«(...) A verdadeira consequência, a importante, em minha opinião, reside num novo decréscimo do conhecimento que tal sistema originará para as crianças. Um só professor a ensinar Português, Matemática, História, Geografia, Ciências da Natureza e o que mais se verá? O peso da especulação pedagógica em detrimento das tradicionais áreas do conhecimento tem conduzido as crianças portuguesas por tristes veredas de infantilização. O proposto será uma boa achega para a promoção desse pernicioso percurso e para mais uma drástica redução do número de professores em actividade, com a natural e consequente redução significativa dos custos da provisão do ensino básico a que o Estado está obrigado. (...)»

Para a minha princesa...

...no dia do seu 10º aniversário


Keghel
(Clica para veres melhor, Inês)

segunda-feira, maio 26, 2008

Um poema...

Um poema que nos transporta à crença... ao sonho da ocupação do mundo pelas rosas...

Obrigada à Ana Paula Pinto por me ter deixado o poema

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.


Natália Correia

quinta-feira, maio 22, 2008

As nossas crianças estão a ser usadas

Eu já escrevo pouco, mas, neste momento, acho que devo mesmo não escrever nada e pôr o cantinho em pausa. Porque não estou a conseguir manter a serenidade , nem a esperança de que o tempo depressa comprove os profundos erros da actual política educativa.

As crianças portuguesas - as nossas crianças - estão a ser usadas.
Usadas para diminuir o deficit;
usadas para as estatísticas que os governantes pretendem apresentar;
usadas em prejuízo de terem bons e cada vez melhores professores porque estes estão a ser transformados em burocratas e educadores generalistas;
usadas para que o país imite modelos educativos de outros, mas como quem imita receitas de cozinha pondo na panela apenas alguns dos ingredientes (e de má qualidade) porque os outros não são baratos;
usadas como cobaias em experiências apressadas e sem qualquer estudo sério que fundamente as mudanças a partir do que se tenha efectivamente comprovado necessitar de mudar;
usadas também ao sabor de cabeças que se consideram iluminadas e só ouvem opiniões que (e quando) lhes convêm, desprezando arrogantemente muitas e muitas outras de reconhecida idoneidade e competência.

Começo a olhar para esta grande causa que também foi minha (e não consigo abandonar) - a Educação - com uma tristeza que significa desesperança, e a desesperança é um sentimento que toda a vida recusei convictamente. Quero continuar a recusá-la e a apelar a outros que também a recusem, no entanto está a ser-me difícil, pois constantemente se avolumam os motivos de preocupação sobre o rumo do sistema educativo no nosso país. Assim, sendo ainda mais impotente do que os que estão no terreno da escola, dado que já lá não estou, não vale a pena tentar analisar situações ou documentos quando estou - como estou agora - a reagir ao actual rumo da Educação com pouca serenidade e cada vez maior incredulidade.
Onde está a razão, só o tempo mostrará.
Vou tentar esperar calada - calada pelo menos até conseguir escrever sem desesperança.

Adenda ao post anterior

Há 10 meses o CNE discordava e agora já concorda?
Ou estou a ler mal?
(Se estou a ler mal, corrijam-me, por favor!)
«4—Apreciação na especialidade.
4.1—No caso da formação de professores do 2º ciclo do ensino básico (...), o anteprojecto contraria a Lei de Bases do Sistema Educativo [artigo 8º, nº 1, alínea b)], dado que nela se consagra que, no 2º ciclo do ensino básico, o ensino se desenvolve «predominantemente em regime de professor por área». No entanto, o anteprojecto propõe um mesmo professor para um alargado espectro de áreas (Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências da Natureza e Geografia de Portugal). No nosso entender, a formação de tais professores deve conferir-lhes habilitação para a docência de uma área do 2º ciclo do ensino básico (tal como previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo) e, simultaneamente, para serem professores coadjuvantes dessa mesma área no 1º ciclo do ensino básico. » (destaque meu)
«(…) numa altura em que as alterações ao enquadramento jurídico da formação de professores (Dec-Lei nº 43/2007 de 22 de Fevereiro) definiram uma licenciatura em educação básica comum como ponto de partida para a formação profissional pós-graduada para educadores de infância, professores do 1º CEB e professores do 2º CEB, tendo subjacente a ideia de estabelecer uma unidade educativa com identidade própria para a faixa etária dos 0 aos 12 anos. Neste contexto, importa reflectir sobre os fundamentos e os efeitos dessa reorganização do sistema educativo – relativamente à qual, desde já, se expressa a nossa concordância (…)» (destaque meu)

Com tantos documentos, alguns a carecerem que os leia com mais atenção, humildemente admito que esteja a ler mal o sentido dos excertos que citei em termos do que me parece uma contradição. Se assim é, agradeço que me corrijam.

terça-feira, maio 20, 2008

Ciclos de ensino... a questão não está no nome ou na duração

O que me preocupa e assusta não é a ideia de se passar, no nosso país, a designar como um só ciclo o que actualmente se designa por 1º ciclo e 2º ciclo. Vários países consideram como um só ciclo o ensino dos 6 aos 12 anos - a questão não está na ideia, em si, de "ciclo".

A 1ª grande questão, a meu ver, está no regime e conteúdos da formação de professores instituída ou a instituir, bem como na adequação do número de professores às exigências quer dos progressivos aprofundamentos das aprendizagens, quer das áreas especializadas que a formação de professores "generalistas" não pode abarcar com seriedade.

Assim, o que me preocupa e assusta na publicação, pelo CNE, do Relatório do Estudo "A educação das Crianças dos 0 aos 12 anos" nem é tanto o seu conteúdo (que deve ser lido, e não os "resumos" que dele faz a comunicação social), mas sim o aproveitamento que decerto a Ministra da Educação dele fará em apoio aos seus objectivos. E, porque considero que os objectivos economicistas desta ministra (e do governo a que pertence) juntamente com as desastrosas visões que tem sobre educação e ensino estão a levar o nosso sistema educativo para caminhos cujas lamentáveis consequências demorarão muito tempo a remediar, fiquei aterrada com este "apoio" do CNE .

As nossas crianças estão a ser cobaias. A quem responsabilizará o país se vier a acordar para tristes consequências das experiências precipitadas de governantes que tomam uma maioria absoluta como legitimidade para catadupas de reformas e medidas, numa correria de quem se importa muito mais com o seu percurso eleiçoeiro do que com o futuro (e o presente) dos portugueses?

Estou cansada - cansada do que observo. Já não tenho vontade de comentar. Deixo só este breve e muito superficial comentário - para escrever mais, estou cansada (ou triste, ou descrente, nem sei).
______
Adenda
A Ministra da Educação já veio a público dizer que a fusão dos 1º e 2º ciclos não está nos objectivos deste governo (para a 1ª legislatura, leia-se). (Ouvi a própria Ministra na rádio, mas outras e talvez um pouco diferentes declarações se seguirâo) Mas os primeiros alicerces foram construídos por este mesmo governo com o novo regime de formação para a docência.
O relatório do CNE diz ter como um dos seus objectivos "comparar a situação portuguesa com a situação noutros países". Então, porque descreve longamente a organização da educação das crianças dos 0-12 anos em seis países e quase nada informa sobre a formação de professores nesses países? A esta são apenas dedicados dois parágrafos que se limitam a dizer que a formação para a educação de infância é, em geral, de nível superior, que a formação para o "ensino primário" é de nível universitário e que ambas são completadas por um período de estágio profissional. Acho estranho este laconismo.

segunda-feira, maio 19, 2008

Quase...

Hoje faria anos Mário de Sá Carneiro

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que,desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

domingo, maio 18, 2008

;0) Apenas um copo de leite...

Em um certo lugar do Oriente, um Rei resolveu criar um lago diferente para as pessoas do seu povoado. Ele quis criar um lago de leite! Então pediu para que cada um de seus súbditos levasse apenas um copo de leite; com a cooperação de todos, o lago seria preenchido.
O Rei muito entusiasmado esperou até à manhã seguinte para ver o seu lago de leite. Mas, qual não foi a sua surpresa, no outro dia pela manhã, quando viu o lago cheio de água e não de leite!
Consultou o seu conselheiro, que o informou que as pessoas do povoado tiveram todas o mesmo pensamento: No meio de tantos copos de leite, se só o meu for de água, ninguém vai notar...

(Autor desconhecido)

sábado, maio 17, 2008

Falando com os meus botões

Que pressa! Na minha ex-escola já há lista de professores para o Conselho Geral Transitório e, pelas notícias que me chegam, o mesmo acontece em muitas outras escolas! Nem sei para que me dei ao trabalho de digitalizar a contracapa do Jornal da FENPROF para o post anterior! (A capa, apelando às manifestações regionais, também já sei que foi inútil)

Pois, cá por mim, que já não vou trabalhar sob as ordens do sr. director (chegaram-me os anitos em que tive sr. director antes de 1974), dou o assunto por encerrado com este gesto, pelos vistos simbólico e inútil, de recortar para aqui o último parágrafo da referida contracapa - proposta da FENPROF também, pelos vistos, inútil.



Quem leia de boa fé o memorando de entendimento entre a Plataforma Sindical e o Ministério da Educação não vislumbra nele a eliminação da perspectiva de luta em torno das questões essenciais, desde a revisão do ECD à revisão do novo modelo de gestão das escolas, e incluindo a avaliação de desempenho que se irá processar no fundamental no próximo ano lectivo. Cada um terá as suas razões se acusar o entendimento como motivo da sua própria desmobilização, e eu, cá para os meus botões, digo que cada um é que sabe das suas motivações, cada um opta livremente, e digo também que a coerência é uma coisa difícil e exigente.

Insistindo...


Contracapa do jornal da FENPROF deste mês de Maio (a capa foi de apelo às manifestações regionais)

quinta-feira, maio 15, 2008

Conselho Geral Transitório - uma oportunidade a perder?!

Sobre o alargamento do prazo para a constituição, nas escolas, dos conselhos gerais transitórios, pode ler-se no site da FENPROF, em texto que contém o memorando de entendimento comentado: "Com este alargamento de prazo, os professores poderão, agora, aprofundar a discussão sobre a forma como deverão posicionar-se perante a constituição desses conselhos, seja no plano das propostas para a revisão do modelo, seja no plano da acção reivindicativa e da luta." (Destaque meu)

Estou a estranhar algum silêncio sobre esse primeiro procedimento nas escolas decorrente do novo regime de autonomia, gestão e administração: a constituição dos conselhos gerais transitórios. O nº 8 do artº 60 do Decreto-Lei 75/2008 diz: "O conselho geral transitório só pode proceder à eleição do presidente e deliberar estando constituído na sua totalidade." Não o constituir pelo menos num grande número de escolas será uma oportunidade a perder?


Escrevia tamém: «Agir concertadamente é o sinal inequívoco de que os professores estão dispostos a resistir!» Mas, para agir concertadamente, é necessário passar a palavra, é necessário fazer correr a ideia da não participação, para que cada professor sinta que recusar participar no conselho geral transitório não será uma posição isolada, e também para que os que se estão apressando, apesar do alargamento do prazo, se lembrem que a luta não parou na manifestação dos 100 000.

E eu esperava que a ideia estivesse a correr pela blogosfera, para correr, a seguir, pelos meios actualmente habituais - mail e sms -, mas ainda não me apercebi de tal. Esmorecimento da classe docente?! O novo modelo de gestão das escolas é irreversível?! A reivindicação da revisão do modelo saiu do horizonte de luta dos professores?!
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P.S.:
Outra oportunidade a não perder...

















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Adenda
Vi agora que a FENPROF é clara sobre a oportunidade a propósito dos conselhos gerais transitórios. No seu jornal deste mês de Maio lê-se na contracapa: "(...) a FENPROF propõe que seja ponderada a possibilidade de não haver candidaturas de docentes aos Conselhos Gerais Transitórios. Dessa forma, tornariam clara a sua oposição ao modelo imposto pelo ME e a sua recusa em o consolidarem, criando condições para a sua revisão."

quarta-feira, maio 14, 2008

Uma canção - uma memória

Faz hoje 10 anos que Frank Sinatra nos deixou. Aqui fica uma sua canção muito especial: My Way


P'ra não dizer que não lembrei...

Faz hoje três anos, este blogue.








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Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.
Helena Kolody

sábado, maio 10, 2008

Jantar comemorativo - Rever companheiros

Ontem realizou-se um jantar comemorativo do 34º aniversário do SPGL - o maior sindicato de professores do nosso país, surgido poucos dias depois do 25 de Abril. Gostei de ir, gostei de rever alguns companheiros que não via há tempos - compagnons de route, juntos tantas e tantas vezes em acções e lutas, e em reuniões desde a euforia dos primeiros plenários - a euforia da liberdade e dos direitos, incluindo o de associação.
Memórias comuns, caras que se reconhecem, ideais partilhados... Vêm-me recordações, vêm-me imagens de como éramos tão novos naqueles tempos iniciais... 34 anos fizeram os cabelos brancos e as rugas, 34 anos fizeram que eu lembre agora com alguma melancolia como éramos novos, como nos conhecemos há tanto tempo...
Ai, até parece que foi um jantar de velhos! Claro que não, nada disso, eu é que me referi só aos mais antigos companheiros dessa estrada que celebrámos ontem - é natural, é a minha memória vivida. Mas, entretanto, muitos outros mais novos tomaram a estrada, e hão-de continuá-la.

Saudações ao SPGL pelo seu 34º aniversário. E Força!

sexta-feira, maio 09, 2008

Contemplo o que não vejo

Contemplo o que não vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.

Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.

Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.

Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
Não sinto, não sou triste.
Mas triste é o que estou.


Fernando Pessoa, Cancioneiro

quinta-feira, maio 08, 2008

Também me entristeço ao ler...

... entristeço-me pelo nosso sistema educativo, pela nossa escola pública, e também por aqueles que amaram a profissão docente e agora ou desistem ou tentam apenas resistir.

"Procurarei resistir. Mas muitos estão a partir. Isso é irreversível..." - cita o JMA no seu post aqui.

Nenhum governo verdadeiramente responsável teimaria em impor medidas, por maiores que fossem as preocupações economicistas (e são estas que essencialmente têm presidido à actual política educativa, juntamente com a determinação em conseguir estatísticas de sucesso mesmo que este seja só aparente) à custa de fazer o sistema educativo perder tantos dos mais experientes professores - além de desmotivar outros tantos dos mais dedicados, que escolheram a profissão com entusiasmo e hoje vão para a escola sem alegria.
Não quero alongar-me, só escrevi estas linhas porque o post do JMA me avivou uma tristeza que também me atinge a mim pessoalmente.
Foi fácil aposentar-me pois atingira as condições requeridas sem ficar com prejuízo financeiro e, com o clima que logo MLR causou na escola e o mais que estava para vir mas já se adivinhava, na altura não hesitei em alterar o que desejara e projectara e me faria estar, hoje, ainda no activo. Mas uma mágoa me ficou, uma mágoa que ainda me acompanha e que se acentua quando olho o título deste cantinho e já não tenho para escrever nele as memórias da véspera ou da semana passada - memórias que ainda poderia estar a ter. Foi minha a decisão, de mais ninguém, e não me arrependo porque masoquista não sou, sou alérgica a imposições sem sentido, a ambientes pouco transparentes ou propícios a competições nefastas, e também a resmas de papelada surpéflua ou aberrante. No entanto, há momentos em que me doem as saudades - muitas saudades - da sala de aula.

quarta-feira, maio 07, 2008

Pequenos poemas que me tocam depois das memórias

Eu e os "meus" haikus... Mas eles exprimem momentos, estados de espírito... E eu fico assim como que sem presente quando escrevo memórias de professora... memórias de um tempo que já só é passado...

Mando embora a tristeza, mas, primeiro, preciso destes pequeninos poemas que a expressam...

sementes de algodão
agora são de vento
as minhas mãos

Nenpuku Sato

Dias que se alongam —
Cada vez mais distantes
Os tempos de outrora!

Buson



Este caminho!
sem ninguém nele,
escuridão de outono.
Bashô

terça-feira, maio 06, 2008

Memórias de directora de turma - II

As assembleias de turma

Educar para a cidadania passa por educar para a participação democrática e responsável. Nem sempre tudo vai bem com os alunos no funcionamento das aulas e na vida escolar. Mas eles são capazes de reflectir, intervir, debater, propor, e as oportunidades para o fazerem ajudam a crescer e a desenvolver a iniciativa e a autonomia. Por tudo isto, as assembleias de turma eram uma prática instituída nas minhas turmas. Assembleias para assuntos da vida escolar e para decisões sobre projectos da turma, no caso da direcção de turma; assembleias relativas a questões do funcionamento das nossas aulas em qualquer das turmas.

Os alunos podiam ser do 5º ano, podiam ter apenas 10 anos, mas, com excepção da primeira assembleia, que eu dirigia, as outras passavam a ficar a cargo deles. A minha orientação consistia em dar uma tarefa para casa: pensarem nos assuntos definidos e, para os alunos que iriam dirigir, prepararem-se especialmente para isso; consistia também em pedir a palavra e intervir com a minha opinião ou sugestão, mas apenas quando necessário.

Por tantas vezes me limitar quase só a assistir (eu disse quase, a minha intervenção era na dose q.b.), olhando com encantamento a turma e aquelas três ou quatro crianças na "mesa" a desempenharem o seu papel (uma fazia a acta), e tendo pena de não ter levado a máquina fotográfica (vídeo iria distraí-los), uma vez ou outra lembrei-me de ir prevenida. Mas quase sempre me esquecia, pelo que tenho raras fotos, aliás já postas algures neste cantinho a propósito da pergunta "infantilizar ou puxar?"


(Todas as fotos são de turmas do Ciclo)


"Mesa" de uma Assembleia de Matemática:

(Clicar para ampliar)


Assembleia dirigida pelos delegados de turma e que incluiu debate em grupos:

(Clicar - Vêem-se os delegados em pé a acompanhar os grupos. Não são uma delícia? Era 6º ano)


Outras sembleias:



Nota:
Não, não se trata de "eduquês", não se trata de coisas tais como não-directividade ou alguma espécie de basismo. Eles não corresponderiam como correspondiam, debatendo disciplinada e responsavelmente e chegando a conclusões, avaliações e propostas pertinentes se não fossem preparados para isso no quotidiano das aulas.

(Perdoe-se-me a nota, mas eu sou alérgica à expressão eduquês)

domingo, maio 04, 2008

Memórias de directora de turma - I

Colaboração Escola-Família

Porquê retomo memórias e começo pelas de directora de turma, disse-o no post anterior. São muito boas recordações que ainda nunca registei, quero guardá-las no meu cantinho.

É certo que a acção educativa e de acompanhamento directo dos alunos é a componente primordial da função do director de turma - e tem já implícita uma colaboração com as famílias -, mas não é por essa componente que começo. Porque a colaboração escola-família é decisiva e porque, a meu ver, ao director de turma também cabe envolver (ou tentar envolver) os pais ou encarregados de educação na acção que desenvolve junto dos alunos, bem como ir ao encontro das necessidades de apoio, informação e até formação que aqueles tenham.

Fazem-se diligências (e bem) para conseguir que vão à escola encarregados de educação de alunos de famílias problemáticas, mas há que não esquecer que muitas outras têm baixo nível de instrução e cultura, contudo preocupam-se e gostariam de proporcionar aos seus filhos um melhor acompanhamento, pelo que são muito receptivas a informação, formação e apoio que, nesse sentido, recebam da escola. O problema de pais e mães ausentes ou que se demitem existe, mas seria injusto julgá-lo tão extenso como por vezes parece.

Assim, sempre entendi que a direcção de turma, com as oportunidades de reuniões e entrevistas individuais com os encarregados de educação, também tem uma vertente de acção formativa junto destes sempre que tal se justifica. E creio que a razão de, nas reuniões, ter tido sempre a sala cheia, frequentemente com a presença não apenas do pai ou da mãe, mas de ambos, foi o facto de incluir em todas elas um debate temático.

Como fazia? É simples, e muitos outros directores de turma o faziam e fazem. Mas, muitos outros não significa todos e talvez não signifique maioria. Até porque, nas reuniões, a primeira tendência dos encarregados de educação é a de pessoalizar falando ou fazendo perguntas sobre os seus próprios educandos e, se o director de turma não tem reservas contra isso, lá se passa assim toda a reunião, após informações genéricas e distribuição das fichas de avaliação.
Ora, não falar dos casos individuais na presença de outros pais era para mim um princípio que estabelecia à partida, até por respeito pelos alunos - não presentes - e manutenção da confiança deles. E reduzir as reuniões a distribuição das fichas de avaliação, apreciação global da turma, algumas informações relativas à escola e uns alertas à necessidade de os filhos trabalharem mais, seria pobre e alguma perda de tempo para a maioria, bem como perda de oportunidade para a acção que referi acima.
Então, quando tinha uma nova turma, logo na primeira reunião lançava a perspectiva de aqueles nossos encontros virem a incluir temas a expor e debater, relacionados com a vida escolar e a educação, de acordo com interesses, preocupações ou necessidades que os presentes manifestassem. Era logo um começo motivador, e, em vários anos lectivos, realizei, a pedido, reuniões extraordinárias (isto é, além das estipuladas pela escola) para esses debates.
Também percorria as profissões dos pais e mães da turma, através das fichas dos alunos, para detectar alguma que eventualmente proporcionasse colaboração para algum tema mais especializado, o que aconteceu algumas vezes - foram algumas as sessões cujo sucesso fiquei a dever a um pai ou a uma mãe graças à sua especialidade oportuna em relação a interesses e preocupações dos encarregados de educação e, claro, à disponibilidade colaborante.
Mas, em geral, os temas pedidos ficavam a meu cargo. E um que quase sempre era pedido era o do acompanhamento da vida escolar dos filhos. As turmas tinham quase sempre bastantes encarregados de educação - por vezes, a maioria - de nível de instrução insuficiente para acompanharem directamente os trabalhos escolares, mas não faltam sugestões para o acompanhamento mesmo sem dominarem as matérias curriculares. E havia sempre, também, algum testemunho de um dos presentes, interessante e sugestivo para os outros.

É com prazer e gratidão que recordo aqueles pais ou mães - alguns professores, mas não só - que nada precisavam de sugestões (nesse tema e noutros), mas compareciam e, sem eu precisar de pedir colaboração, tacitamente ma davam animando e mantendo vivo o debate.

Uma nota, a terminar: Era também logo na primeira reunião que eu desmontava a ideia de que irem à escola falar individualmente com a directora de turma só se justificaria em situações preocupantes sobre aproveitamento escolar ou comportamento, e especialmente quando convocados. E logo ficava esboçado um calendário, com prioridade aos que tivessem algum problema ou preocupação a transmitir-me urgentemente, mas permitindo que tão breve quanto possível eu pudesse falar com todos, pois uma entrevista permitia um conhecimento mais amplo do aluno, quer a mim, que só o observava na escola, quer também ao encarregado de educação, que, embora conheça bem o(a) filho(a), muitas vezes ignora facetas escolares pouco reveladas em casa.
E, com a desmontagem que fazia daquela ideia que tinham sobre idas à escola, acabava por ganhar a adesão para marcação das entrevistas, nem que estas fossem por telefone quando havia dificuldade em comparecerem. (Telefone, mas para a escola, note-se, pois eu não considerava isso 'trabalho de casa'
...) E claro que também tive casos difíceis relativamente a comparência, mas julgo que actualmente isso é mais frequente, tive sorte no meu tempo de dt.

Em suma, tenho muito boa recordação das reuniões com encarregados de educação. Talvez fosse outro tempo... não sei. (Fui dt durante mais de 20 anos consecutivos, mas depois não voltei a ser)

sábado, maio 03, 2008

Novidade esquisita no blogger

Antes de dar continuidade ao post anterior, registo uma novidade esquisita do blogger. Quando publico em horário de verão, costumo adiantar uma hora à que o blogger indica, pois ele funciona com a hora de inverno e, que eu encontre, não há, nas definições, opção para a hora de verão. Hoje, ao fazer o mesmo de sempre antes de clicar em publicar, pela primeira vez a ordem não foi obedecida e apareceu-me a variante "agendado", à semelhança do que acontece com "rascunho" quando guardamos um post sem publicar. Lá tive que atrasar a hora, mas não experimentei esperar a ver se o agendado seria publicado automaticamente uma hora depois.
Bem, isto é uma curiosidade minha porque sou "picuinhas" nestas coisas, mas pode ser que alguém me leia e me diga se também tem essa novidade do post agendado. Entretanto, vou deixar este com a hora certinha de verão, depois direi em adenda se foi publicado automaticamente quando o horário do blogger deixar.
______
Adenda
Ná... Como era de prever, não aconteceu nenhuma publicação automática à hora agendada. Tenho mesmo que passar a andar no inverno, como quer o blogger ;)

Hoje retomo um fio de memórias

Serão extemporâneas, mas é por isso que se chamam memórias. Este cantinho também é um album de recordações das coisas de professora que já não posso fazer.

Dessas coisas, nunca aqui recordei nenhuma de directora de turma. No entanto, durante mais de 20 anos não dispensei essa vertente de trabalho, punha até como condição para aceitar outro cargo a acumulação com aquele. Porque era nele que mais podia sentir-me não apenas professora, mas também educadora.
Depois, chegaram os primeiros computadores à escola, foi criada a sala de Informática, as horas sobrantes do meu horário foram precisas para tarefas relacionadas com as TIC, deixei então a direcção de turma. Entretanto, fui vendo os directores de turma com cada vez mais tarefas burocráticas e quando, nos meus últimos dois ou três anos, voltei a poder encarar a possibilidade de retomar a direcção de turma, esse panorama burocrático desmotivou-me de esforços para a conciliar com o meu horário.

Assim, as minhas memórias de directora de turma, que me são tão gratas, já não se enquadram no tempo actual. Mas, mesmo que seja supérfluo partilhá-las, são recordações para mim, vou guardá-las aqui.

quinta-feira, maio 01, 2008

Chega um tempo...

Um poema, enquanto tento parar o tempo. Tempo para reencontrar um fio; tempo para preencher vazios; tempo à deriva; tempo ferido; tempo, só tempo.

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade, Os Ombros Suportam o Mundo