segunda-feira, fevereiro 12, 2007

O que eu esperaria agora se fosse ingénua

Esclarecimento prévio:
Este post não tem a ver com o referendo de ontem, em si, e é independente do resultado pois já estava em draft aguardando apenas pelo dia seguinte. Também (e isto sublinho) não toca os que, contrariamente ao meu voto, optaram pelo não de acordo com a sua reflexão autónoma e séria, baseada em convicções ou na interpretação que pessoalmente fizeram do seu significado - não me pronunciei em lado nenhum público e respeito todas as opções honestas de todas as pessoas que procuram pensar honestamente consigo próprias. Dado este esclarecimento, passo ao que motiva o título do post.
______
Vi pouco a TV, mas o suficiente para me aperceber da grande mobilização conseguida por promotores de campanhas ou movimentos. Sei que a mobilização foi de ambos os "lados", mas foi do lado do não que se viram os cartazes "Pelo direito à vida" - o que não estou a criticar, já esclareci que respeito as convicções, além de que não viria agora falar de interpretações da pergunta referendada.

O que eu esperaria agora (se fosse ingénua) é que essa tão grande mobilização conseguida, levando a grandes manifestações "pelo direito à vida", fosse aproveitada para continuarem manifestações por esse direito nas situações verdadeiramente inequívocas. E gostaria também que a política até agora levada a cabo por quem governa me permitisse confiar que medidas sociais, medidas no domínio da assistência na saúde e também medidas que levem a todos, incluindo adolescentes, informação e apoio atempado sobre como evitar gravidez indesejada caminharão no sentido da prevenção, pois julgo que não há mulher nenhuma que tenha praticado aborto (ou que venha a praticá-lo) que não preferisse não ter tido (ou não ter) que enfrentar tal decisão - mas confiar depois de se andar a observar as prioridades do actual governo, concorde-se que não é simples.

O que eu esperaria, se fosse ingénua, era que a TV não perdesse o balanço, lembrando-se agora dos milhões de crianças que nasceram mas eu não sei se se pode chamar vida às suas vidas, morrendo milhares por dia de fome, vivendo muitos e muitos mais milhares sob o terror quotidiano no meio das guerras, inclusive aquelas (a maioria) que são desencadeadas directa ou indirectamente pelos grandes senhores do mundo sob argumentos hipócritas e interesses escondidos, enquanto outros que não são senhores do mundo mas governam em seus países fecham os olhos, subservientes às políticas "globais".
Mas esses milhões de crianças a cujas vidas é difícil chamar vida estão lá longe, noutros sítios do mundo. Pois... Certas bocas só se enchem publicamente em nome da "globalização" quando lhes convém. Denúncias e imagens na TV , por exemplo, não convêm aos que a controlam, incomodam e o que é preciso é acomodar-se - não incomodar-se. E que as pessoas comuns se distraiam, não vão elas lembrar-se, aqui e por outros países, de começarem a incomodar-se demasiado e acabarem por encher as ruas. (Países afastados e protegidos dos dramas da outra metade do mundo pois neles vidas que também não são vida são em proporção ínfima face a esses dramas - são agora, quiçá até um dia...)

(Eu disse no meu post anterior que explicaria a "estranha" associação de ideias que me levara à colocação de uma foto. Eu acredito na sinceridade de muitos que ergueram cartazes "Pelo direito à vida", como na de muitos que ergueram outros contra uma lei punitiva, agora cá, noutros países noutras alturas, mas estou farta dos hipócritas de cá e de lá (e obviamente que agora já não estou a referir-me ao referendo), esses até não precisam de descer à rua para defenderem o que querem defender, esses ou têm na mão os cordelinhos poderosos das políticas, ou penduram-se neles pois isso de não se deixarem ir a reboque exigiria coragem demais...)

2 comentários:

tsiwari disse...

"Mas esses milhões de crianças a cujas vidas é difícil chamar vida estão lá longe, noutros sítios do mundo." - muitas delas, infelizmente, deambulam por cá também... bem perto de nós...

Se fosse eu portador dessa tal ingenuidade de que falas, também poderia acreditar em tal.

Apesar de tudo, acredito que evoluímos, um poucochinho, ontem.


***

armanda disse...

Eu não consegui manter-me neutra e agora estou satisfeita com a vitória do Sim. Estive numa mesa de voto aqui numa aldeia do Norte e vi, ao longo do dia a votarem os mais idosos, principalmente no fim da missa. Receei o pior e, é verdade que o Não, cá, teve 60 e tal por cento dos votos. Mas ainda bem que no resto do país foi diferente. Eu também sou pela vida e o meu SIM quer dizer que quero ver as mulheres acompanhadas e informadas e a terem filhos bem-vindos e, posteriormente bem tratados. Muitas das pessoas que fui vendo a darem a cara pelo Sim parecem-me credíveis e acredito que não vão parar de se baterem pela criação de condições para que a vida cada vez seja mais como deve ser. Abraço.Armanda