sexta-feira, setembro 29, 2006

Respeito. II - Uma questão de raciocínio

Veio-me uma memória (não terá sido por acaso) que passo a relatar - descrevo só um dos três ou quatro episódios bastante parecidos que me lembro de me terem acontecido.

Eu dava habitualmente aula numa 'sala de Matemática' bastante pequena, pelo que, a menos que frio e vento o não permitissem, mantinha a porta aberta para que o ambiente interior não ficasse abafado. A porta dava para um dos pátios da escola.

Um aluno que eu não conhecia, daqueles que se escapam às aulas e andam fugindo à vigilância dos funcionários, passou, parou, entrou mesmo um pouco para além do limiar da porta, para lançar "bocas" provocatórias para a turma, tendo também uma atitude algo provocatória para mim e não me obedecendo à ordem de ir embora. Mas, quando, logo a seguir, me aproximei para lhe falar, fugiu sem arriscar saber se eu iria apenas dialogar ou chamar um funcionário que o encaminhasse para alguma admoestação com maiores consequências. No entanto, não desisti e exigi que fosse levado à minha presença.
Veio com ar hostil e resmungos até eu lhe poder dizer que apenas queria conversar - "Nem nos conhecemos, não podemos conversar?" Pedi-lhe então que pensasse e me respondesse sinseramente o que sentiria e faria se tivesse a porta da sua habitação entreaberta ou esta tivesse uma janela acessível da rua e alguém, sem o conhecer nem à família, aproveitasse para tentar entrar e faltar ao respeito, a ele e aos pais. A resposta pronta foi: "Ia ter que se haver comigo!" (Uma resposta provável, se fosse um aluno mais novito, seria "ia ter que se haver com o meu pai"). Pedi-lhe que me confirmasse se isso queria dizer que considerava ter o direito a que lhe não faltassem ao respeito, a ele ou aos pais, adultos. Resposta afirmativa e, nesta linha, continuou o pequeno diálogo, terminando o mesmo com um "está certo" e a promessa de não repetir a atitude que tivera perante a minha aula.
O mais certo é que tenha continuado a não resistir à tentação de portas de aula abertas, mas lembro-me de ter voltado a passar umas duas vezes junto da minha sala e, ao encontrarem os seus olhos os meus, fazer um aceno de mão como quem, simultaneamente, diz adeus e comunica um "está tudo bem, não vou perturbar". E lembro ainda muito bem de atravessar um dia o recreio, ouvir um "olá stôra" e deparar-me com o olhar do moço, isento de hostilidade.
Afinal, foi apenas uma questão de raciocínio...

Tratava-se de um daqueles alunos que rejeitam a escola e entram nela de pé atrás e "sete pedras" na mão, prontas a atirar a qualquer adulto, funcionário ou professor, numa agressividade que mais não é que a forma que têm de se afirmarem e de extravasar a revolta escondida que as suas condições de vida fazem trazer dentro de si. No entanto, esses alunos sabem raciocinar como os outros, recusam é, em geral, fazê-lo, a menos que não sintam qualquer hostilidade da parte de quem tenta conversar e sintam até cordialidade.

[Mas, notem-se duas coisas. A primeira é que a sua permanente desconfiança os faz perceber hostilidade mesmo quando não há (por isso é menos difícil que adiram a um diálogo com alguém que não é seu professor pois este, provavelmente, já teve que repreender severamente, já teve que se zangar, dado que sabemos como são os comportamentos que estes alunos reincidentemente experimentam ter nas aulas).
A segunda nota, é que o professor é um ser humano como os outros, nem sempre consegue controlar uma imediata irritação e impulso para punir. Ninguém é perfeito, eu de certeza que estou muito longe disso, também tal me aconteceu noutras situações - no entanto, a experiência foi-me facilitando o hábito de distinguir, sem descontrolo, face a um mau comportamento ou um início de falta de respeito, os casos em que até é adequada uma "zanga" imediata e, enventualmente, alguma punição (não há nenhum aluno que não precise de firmeza e que até não a aprecie se a sentir justa e não aliada a sentimento de que o professor não gosta dele), distinguir, dizia, das situações em que tal não é (pelo menos de imediato) o caminho eficaz, antes dando azo a uma reacção que agrave o comportamento havido.]

Infelizmente, alguns vão crescer e tornar-se adultos assim agressivos, já que a vida (e as políticas "sociais") lhes dão pouca oportunidade de se afirmarem de formas mais positivas - como também outros adultos são agressivos não pelas condições de vida em que cresceram, mas por alguma experiência de que não sabem libertar-se e lhes bloqueia o bom senso e o raciocínio, tornando-os frustrados e azedos contra tudo e todos.


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P.S.:
Repetindo o que já disse no post abaixo, prefiro lidar com os putos como este aqui referido, a encontrar esses outros adultos que acabei de mencionar em segundo lugar, no parágrafo anterior - pelos primeiros vale a pena lutar e passar pelas dificuldades que criam aos professores, vale a pena lutar para que venham a tornar-se Homens e Mulheres.


When I Grow Up

Ed Wade

Respeito. I - Uma questão de direito.

Lembro-me de (já lá vai mais de um ano) ter ficado triste e revoltada por ter lido insultos a um colega de Matemática, bloguista - colega que de nenhum modo o merecia até por ser patente o seu empenhamento no ensino e o seu amor pelos alunos. Compreendi que ele não tenha querido apagar os comentários, tanto mais que eram apenas dirigidos directamente a ele (autor dos respectivos posts), não abrangendo comentadores do mesmos. Mas não consegui deixar de escrever no meu próprio cantinho umas palavras sobre o assunto, sob o título Infiltrados?, pois ficara revoltada.

Ao lembrar-me (não por acaso) desse episódio, ocorreram-me as considerações que se seguem.

Cada vez mais se alarga o hábito de as pessoas comunicarem pela Internet. Embora estejam escritas algumas normas éticas a respeitar, sabe-se que sempre aparecem pessoas (sob a capa do anonimato, claro) que fazem da falta de respeito e do insulto um dos seus entretenimentos, não lhes interessando (ou não tendo capacidade) seja para um convívio saudável, seja para confronto de ideias e opiniões de forma minimamente civilizada. (Um debate aceso é uma coisa, a falta de respeito, até à ofensa gratuita, àqueles de quem nada se sabe é outra)

Porque, infelizmente, isso faz parte da realidade, as diversas formas de comunicação têm funcionalidades para protecção do direito ao respeito. Assim é, por exemplo, com as "salas" de chat e com o msn, e também assim é com os blogues.

Alguém que crie um blogue apenas para se expressar para si próprio sem desejar dialogar, pode optar por não activar a opção "comentários". Também, outra pessoa, pode optar por limitar os comentários ao seu envio por e-mail (como é o caso de um dos mais conhecidos blogues portugueses). Pode ainda protejer-se de insultos escolhendo a moderação de comentários, bem como pode simplesmente apagar os comentários insultuosos. Mas, em geral, qualquer destes dois últimos recursos é esporádico, pois quem os origina depressa desiste.

Isto para dizer que, no entanto, a maioria dos que são alvo dessas tristes atitudes, apesar de terem esses recursos, prefere não os usar, ou usar momentaneamente se não é ele próprio - 'dono' do blog - o único alvo, mas também os que nele comentam, opinam, debatem. Entretanto, eu pergunto-me:
Afinal, se alguém se empenha em desacreditar opiniões ou ideias, porque não o faz com argumentos e civilizadamente? A menos que não tenha argumentos e lhe reste o recurso de perturbar ambientes que, por algum motivo, tema, ou não lhe reste senão a agressividade irracional para, de algum modo em algum lugar, se "afirmar" (entre aspas, pois ninguém se afirma sem dar cara ou nome).

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P.S.:
Confesso que prefiro lidar com os putos como esse que vou referir no post seguinte - por esses vale a pena lutar e passar pelas dificuldades que criam aos professores, vale a pena lutar para que venham a tornar-se Homens e Mulheres.

terça-feira, setembro 26, 2006

Adendas

(Daria trabalho explicar porque ponho frequentemente Adenda como título - adenda ao post anterior. As interpretações são subjectivas e as associações de ideias... muitas vezes sabe-se lá porquê a mente as produz!)


Look Out















Children Waiting





Tom Ferrara













Marla Friedman

segunda-feira, setembro 25, 2006

A visão que falta a quem não está no "terreno"

É estranho isto de já não estar numa escola. Não é que uma só escola dê uma visão representativa do geral, mas sempre fornece algum indicador.
Sobre a actual política educativa no nosso país, continuo a poder saber tudo, e sobre a acção dos acólitos que diligentemente se esforçam por manter o apoio da opinião pública a essa política (penso que já com menos facilidade), também é fácil continuar actualizada. Mas já não ouço, não observo, não sinto o lá de dentro mesmo da escola. E suponho que permanece em vigor a proibição de professores responderem a jornalistas, se interrogados na qualidade de professores de uma escola A ou de uma escola B.

É verdade que no próximo dia 5 muitos professores 'falarão' na rua, mas vão falar essencialmente do projecto de ECD - e com toda a legitimidade -, mas o que a generalidade dos professores pensa desse projecto já eu sei, e queria saber também outras "coisas". Queria saber indícios dos efeitos das medidas da actual ministra da educação, provavelmente até já perceberia alguns se tivesse estado presente numa qualquer amostrinha dos conselhos de turma deste mês. Sua excelência não mandou que estes se organizassem logo em Julho para elaborar projectos de turma? Ou estarei equivocada, pois as turmas são constituídas por alunos, cada uma por estes e não por aqueles, e isso de projectos adequados a cada uma quando vários professores nem a cara dos alunos viram pareceu-me esquisito... Se calhar, Maria de Lurdes Rodrigues não os distingue, não são eles afinal números estatísticos?

E assim, neste não estar no terreno e, ainda por cima, com as escolas a serem silenciadas, não me está a ser fácil o silêncio que, do dentro delas, me chega, bem como a falta de sentir, de "apalpar". Contudo, eu deixei de estar na escola há apenas dois meses e, mesmo que fossem bastantes mais, não deixo, por isso, de conhecer bem e directamente o sistema educativo português desde os tempos da reforma Veiga Simão, conheço os efeitos das sucessivas políticas educativas, das reformas e das várias e diferentes medidas - efeitos na escola pública e no sucesso-insucesso dos seus alunos. Conheço directamente o crescimento das dificuldades e problemas resultantes da massificação do ensino no contexto das realidades sociais do nosso país e, acerca destas, as prioridades e não prioridades políticas, ou as vontades políticas e as faltas de vontade política. Conheço também directamente as sucessivas questões laborais e os comportamentos da classe docente face a elas, bem como as constituições dos sindicatos, evoluções e respectivas acções , tanto mais que não só sou a sócia número 198 do SPGL, como fui delegada sindical durante cerca de 20 anos consecutivos e me mantive, depois disso, muito atenta. E conheci ainda diferentes gerações de professores - não que cada geração seja uniforme, mas não deixa de ter alguma tipicidade -, e, nessas diferentes gerações, não deixaram de ter reflexos os respectivos modelos de formação-profissionalização.
Conheço essencialmente o ensino básico, tenho uma menor percepção do ensino secundário, mas ninguém negará esta afirmação: Não sendo suficiente para garantir a formação dos jovens portugueses, a sua preparação para a vida e o mundo do trabalho (especialmente nesta época em que devem ser preparados para uma contínua formação profissional, para uma constante actualização), não sendo suficiente, dizia, um sistema de ensino básico ou de escolaridade obrigatória de qualidade e exigência e que dê resposta adequada quer à época actual, quer às realidades sociais, tal é, indubitavelmente, condição necessária sem a qual ficará "aleijada" a restante escolaridade, ou a formação profissional subsequente.

Ora, se eu até já sinto falta de continuar no "terreno" para intuir efeitos das medidas da actual ministra da educação, como podem os cidadãos que não são nem nunca foram professores pronunciarem-se tão facilmente como o fazem sobre estas e aquelas medidas e distinguirem as válidas e adequadas das meramente hipócritas? E a pergunta maior é como podem os acólitos, fazedores da opinião pública ou influentes nesta, dormir de consciência tranquila depois de diligentemente propagarem as suas "análises" sem nada conhecerem directamente do referido "terreno"?
É verdade que, no estado em que está o país, serão necessárias algumas medidas ditas economicistas, mas o cidadão comum não aderirá de boa vontade a sacrifícios enquanto vê os escandalosos exemplos de tantos dos que mais podem. Como também os professores não aderirão, pelo menos com a mesma motivação, o mesmo entusiasmo e até com a paixão pelo ensino que caracteriza tantos, nem a medidas sobre as quais nem são ouvidos, impostas com recurso a uma "táctica" já reconhecida noutros países como erro colossal e que é a de denegrir a sua imagem, nem a justificações, em nome da educação-ensino para todos, que percebam eivadas de enorme hipocrisia.

E, já que referi reflexos dos modelos de formação de professores nas respectivas gerações, considero, por exemplo, também insólito o projecto de um exame para ingresso na carreira docente do ensino não superior quando prioridades economicistas já antigas alteraram uma formação inicial exigente quer na vertente científica, quer na vertente da profissionalização, juntando ambas no mesmo tempo de duração que tinha a primeira e retirando, para um ensino tão fundamental ao subsequente como é o do 2º Ciclo, a formação através da prática em estágios em que o professor se formava leccionando, sob orientação, turmas que para o efeito lhe eram atribuídas (para não falar das alterações propostas pela actual ministra aos estágios para 3º Ciclo e Secundário). Das duas, uma: Ou é de qualidade credível a formação ministrada pelas instituições formadoras, ou, se não é (ou nos casos em que não é) os governos não podem alhear-se disso por conveniências economicistas ou por compadrios e não podem deitar-se as responsabilidades exclusivamente para cima dos professores sem se exigir a responsabilização por parte das referidas instituições.
Não podem, em suma, ser compatíveis intenções de melhorar e adequar o sistema de educação e ensino com utilização do ensino público para amealhar tanto dinheiro quanto se consiga.

Que sabe a opinião pública em geral de tudo o que fui referindo em termos de reflexos na escola, na educação, no ensino? Que sabem disso tudo boa parte dos militantemente comentadores quer sobre a "bondade" desta ministra, quer sobre a "maldade" dos professores?

sábado, setembro 23, 2006

Verão terminado...

... começou o Outono. E eu inicio-o com um haiku secular, mas depois ponho flores e a lua (continuam a existir em todas as estações, inclusive no outono e no inverno deste ano escolar que seguirei atenta) ;)

Minha casa de sapê —
Será tempo de colheita
No mundo lá fora?


Matsuo Bashô
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Sakai Hoitsu, Flores de Outono e Lua

Mas agora deixo-me de arte japonesa, pois às flores e à lua faltam os passarinhos (além de que, confesso, também queria pendurar hoje no meu cantinho um quadro, simplesmente sobre o outono, de um autor daqueles de que adoraria poder ver originais, mesmo sem flores, lua ou passarinhos)

Feodor Vasilyev (1869), Autumn

E, por último, recorro à arte fotográfica, pois falta o mais importante...

Karen Kasmauski, Child Plays in a Pile of Autumn Leaves

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Bom (e firme) 1º Período lectivo, colegas!

quarta-feira, setembro 20, 2006

Apenas anotando um texto e deixando duas imagens

De um "passeio" pela A Página da Educação, que não visitava há um tempo:

"A humanidade caminha muitas vezes para o abismo sabendo sempre evitá-lo" - artigo de José Paulo Serralheiro.
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Odilon Redon

Guardian Spirit of the Waters (1878)

Flower Clouds (1903)             

segunda-feira, setembro 18, 2006

Até...

(Já ia publicar este post quando os dedos se viraram para a escrita do "ponto prévio" abaixo)

Tenho coisas desorganizadas, inclusive a cabeça. Destinei quase dois meses a esvaziá-la, mas uma daquelas minhas meadas enredadas já está a querer entrar! Ná... não vou deixar...

[Onde é que eu já vi esta imagem?? Ahh... foi aqui neste mesmo cantinho, há uns meses! ;)]

Tenho, portanto, coisas a organizar, incluindo a cabeça. Tenho mesmo que dizer outra vez: até... Bem, é melhor não precisar, só sei que volto. ;)

Boa semana de trabalho para todos!

Ponto prévio ao post posterior

Já não vou estar no terreno, pelo que me faltará a observação e o conhecimento, por amostra(s), do sentir dos professores, dos ambientes das escolas e dos efeitos para os alunos da política do actual Ministério da Educação - efeitos bons e efeitos maus, quais predominarão? Assim, este blogue voltará à sua principal intenção inicial de memórias de professora, intenção desviada para o tempo presente durante o (e devido ao) ano lectivo anterior. Mas isso não será para já, e explico porquê.

As minhas memórias são essencialmente de outros tempos (sim, no plural, cada 'tempo' tem andado a mudar depressa). Não penso que as memórias de "velhos" professores estejam necessariamente ultrapassadas, mas, para terem alguma pertinência actualmente, têm que ser ponderadas e escolhidas, entre muitas, as que ainda sejam adequadas.
A actual sociedade da Informação e Comunicação, ou, mais propriamente agora (? hum...), do Conhecimento, traz, por si só, novas exigências à Educação e ao Ensino, e isso nada teria de preocupante se não acontecesse que a globalização (de inevitável efeito nas políticas nacionais) decorre sob um pensamento neo-liberal desenfreado, que teoriza, defende, e se assume e se autoproclama condição indispensável e irreversível para o desenvolvimento/progresso económico, ao mesmo tempo que reformula conceitos e valores tais como Liberdade - o direito à "liberdade individual" -, ausentando desta um outro valor, que é o serviço a bem do colectivo humano, nomeadamente sem qualquer referente ético (ao menos em "teoria") sobre o livre empreendimento lucrativo mesmo que este cave o fosso da desigualdade ou acentue a pobreza e a marginalização. A democracia torna-se caricatura, ou luxo dos que a podem pagar, e também o(s) Estado(s) não se aguenta(m) no papel que deles se espera, passando "a bola" e deixando os imensos cidadãos que têm condições desfavorecidas cada vez mais desprotegidos.

Ora, a que propósito vem este meu "discurso"? Pois vem a propósito de que, se é irrecusável que a escola tem que ser capaz de preparar os jovens para corresponderem às exigências da actual sociedade, é também, penso, imprescindível que se não limite a instruir e a preparar para um contínuo aprender e que não esqueça que a educação não está cumprida se não atingir uma finalidade essencial: a aquisição de autonomia de pensamento e de capacidade e instrumentos para análise crítica. Se assim não for, a escola manter-se-à instrumento de reprodução de "valores" vigentes ao serviço dos intereresses dos pequenos senhores de países como o nosso e dos grandes senhores do mundo.

Tenho, nos últimos dias, citado uma afirmação de Hargreaves e volto a citá-la porque me parece urgente que ao menos os professores a assumam: "Ensinar para a sociedade do conhecimento e educar para além dela constituem dois objectivos que não são necessariamente incompatíveis". E penso que é sobretudo para esta segunda vertente que todos os contributos, em forma de memórias ou testemunhos, não serão demais - desde os pequeninos como os de professores anónimos como eu até aos bem maiores de docentes cujo prestígio não permite que lhes seja recusada a publicação da voz.

Contudo, e para finalizar explicando que não será para já que retomarei a escrita de memórias, mesmo uma pessoa que, como eu, é lida apenas por um número insignificante de colegas sente neste momento que já não deverá escrever por impulso deste ou daquele dia ou motivado por este post ou aquele comentário noutros blogs. Ora, estou num período bastante monopolizado por reorganizações, quer de vida na minha nova fase, quer de "cabeça", pois (embora não se note devido a este cantinho estar voltado para a educação e o ensino) eu tenho uma muito maior necessidade pessoal e de fundo de reflectir em "coisas" mais abrangentes do que as circunscritas à "coisa" educativa para poder manter um entendimento optimista sobre o futuro da sociedade em que viverão os meus netos (ou em que eles lutem pelo dos seu filhos) e não cair nalguma conclusão, que recuso, da inutilidade de tudo - e isso não tem a ver com os conteúdos específicos deste blog, tem sim com necessidade de tempo para mais informação e novas leituras, agora que... tenho tempo!

Entretanto, este cantinho sempre foi também um "sítio" onde me dá jeito exprimir a mim mesma estados de espírito ou breves pensamentos, seja para os salvaguardar, seja para os contrariar, pelo que o "até..." indefinido do post acima (que ia publicar quando resolvi teclar este "ponto prévio") provavelmente não significará silêncio, já que eu gosto de poemas e de imagens a quebrar o silêncio. ;)

sexta-feira, setembro 15, 2006

Bom fim de semana!

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mário Quintana, Poeminha do Contra


Flores para o vosso fim de semana
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Quando era noite do princípio do dia deixei aqui o cartaz de luta. Quando era manhã, tive que ir à secretaria da minha ex-escola, para isso ia atravessar o pátio onde estariam alunos e encarregados de educação (hoje as actividades eram ainda de recepção) e, dos colegas que lá vi, só uma tinha achado que valia a pena esse gesto simples, mas não apenas simbólico visto que poderia proporcionar perguntas de alunos e respostas de esclarecimento a eles e pais. Não tive vontade de ir à sala de professores - pela amostra, é possível que o preto fosse só dessa colega (e meu) -, apenas voltei para casa a desejar que tenha havido bem menos alheamento pelas outras escolas. E agora, que já é noite de fim do mesmo dia, vou fazer o meu fim de semana a alhear-me eu. A alhear-me do meu último ano de escola, escola agora tão diferente da mesma que foi a minha durante anos, ela própria tendo enchido, com as anteriores em que estive, as minhas memórias de modo bem mais esperançoso e apaixonante do que "realidades actuais" permitiram à minha memória recente.

Já só posso dizer que estou solidária :(

terça-feira, setembro 12, 2006

Para não estar em silêncio

Vim aqui num instante deixar uma canção, para o cantinho não estar em silêncio.
A escolha não teve a ver com nada do presente, nem com a letra, apesar de gostar muito dessa canção. Teve só a ver com o cantinho se chamar Memórias e a canção ser também a recordação de uma prenda - um disco de 45 rotações - de alguém que a vida levou cedo. Um breve momento em que a memória trouxe uma lembrança (breve, apenas o momento em que a lembrança veio de súbito)


Frank Sinatra - My Way

Uma Memória para ti, J.

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ADENDA
E, a propósito de silêncio, deixo também um pensamento que, para mim, já tem a ver com o presente...

É muito silêncio
enquanto as flores não crescem
e os poetas dormem.


Eolo Yberê Libera

quinta-feira, setembro 07, 2006

Até já...

Já andava com a mente ocupada com decisões a tomar para a minha nova fase de professora "fora de serviço", mas há momentos em que outras "coisas", de repente, monopolizam o pensamento. E, se ele já andava ocupado, nesses momentos fica cheio.
Como aquelas "outras coisas" nada têm a ver com a minha vida de professora, este cantinho vai ficar silencioso por uns dias.
Até já... :)


Decisões... opções...

Para ti, Cris

(Antonio Ferrali, For you)


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ADENDA

Do site da FENPROF:
"Reunião com o ME de 6/09/2006 sobre as alterações ao ECD
O Ministério da Educação pretendeu hoje, na reunião realizada com a FENPROF, "negociar" um documento que não tinha sido entregue previamente. (...)"

Li essa 2ª versão do Projecto de ECD do ME a seguir a ter publicado o presente post, pelo que venho acrescentar uma pergunta e dois votos.

Pergunta: Atrever-se-ia a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues a ter o despudorado comportamento negocial que tem e a apresentar uma 2ª versão em vários aspectos ainda mais gravosa que a anterior se a maioria dos professores e presidentes dos conselhos executivos (professores também) não tivesse evidenciado o conformismo que se verificou ao longo de um ano, nomeadamente face a vários despachos feridos de ilegalidade?

1º voto: Que os tantos professores que se alhearam de um sério debate da 1ª versão não demorem, para irem ler a nova versão, o tempo que muitos demoraram para saber da 1ª mais do que a comunicação social evidenciava, e que atentem a que a Ministra quer a negociação encerrada em curto prazo.

2º voto: Que todos os colegas que, no ano lectivo anterior, activamente alertaram e debateram se vejam agora acompanhados pelos demais, como merecem e merece a sua disposição para lutarem - com este meu voto sublinhado para aqueles que, aqui na blogosfera, me deram a oportunidade tão enriquecedora e feliz de os conhecer e de partilharmos muitas preocupações e também muito empenhamento num melhor sistema de educação-ensino para as crianças e jovens portugueses.


domingo, setembro 03, 2006

Reflectir e debater

Tal como acabo de ver que o Henrique Santos fez no seu blogue, também chamo a atenção para um conjunto de extractos de textos que o Miguel Pinto tem colocado nos últimos dias, nomeadamente neste post e neste, e que considero importantes e pertinentes para debate/reflexão no contexto que o Henrique explicita aqui (remeto para ele, pois estou de saída, apressada, portanto).
Terminaram as férias, seria pelo menos estimulante que recomeçassem debates que, no ano lectivo anterior, se verificaram através de posts e respectivos comentários e dos quais o Miguel é sempre um dos dinamizadores.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Poupem-me, por favor!

Não foi, como julgo óbvio, directamente este post do Miguel Pinto que me levou a escrever o título acima, foi apenas essa moda recente, que ele me lembrou, de algumas rotulações fáceis de "eduquês" sobre variadas ideias pedagógicas, e algumas autoproclamações mais fáceis ainda de "anti-eduquês". (Não me refiro, claro, a colegas que, sensatamente até, rotulem de eduquê este ou aquele escrito que leiam - esses colegas, aliás, não costumam andar a apregoar-se dogmaticamente disto ou daquilo).

Todos sabemos que esta moda se popularizou a partir do livrinho de Nuno Crato que o Miguel também refere como tendo colocado o dito termo "no top dos lugares comuns" e ao qual, já que teve a categoria de livro, eu só chamo mesmo "livrinho". Logo quando o li me faltou a paciência para terminar as últimas páginas, pois duas coisas me irritaram, uma respeitante ao recurso a curtas frases proferidas em situações pontuais, e retiradas do contexto do que esta ou aquela pessoa disse, e a outra parecendo já ignorância sobre o significado original, genuino, de um ou outro conceito. Mas, não venho falar do dito livro nem dos métodos nele seguidos pelo seu autor, embora isso de deduzir, de um pequeno escrito ou comentário, algum enorme eduquê ande a ter seguidores.

Entretanto, nesta 'história' de eduquês e anti-eduquês, o que me preocupa não são os que se andam a ocupar dela com defesas ou acusações (a menos que sejam mesmo professores e uns tantos miúdos lhes andem a passar pelas mãos). O que me preocupa é que também haja, entre os professores que os lêem, alguns que se limitem a fazer a sua auto-formação contínua por leituras "pop" (como lhes chamava um professor que tive não há muitos anos), umas "baratas", outras superficiais.

Já que Rousseau anda na mira dos anti-eduquês, ocorre-me que o caso da pedagogia não é, a meu ver, diferente do da filosofia propriamente dita no que concerne à formação do nosso pensamento. No 2º caso, o conhecimento de grandes filósofos contribui para a formação, criticamente, do nosso próprio pensamento sobre a vida e a humanidade, e, de preferência, conhecimento de pensadores com diferentes e até contrárias perspectivas, pois é no conflito entre ideias contrárias que o pensamento avança. Quanto ao 1º caso, se me perguntassem em que perspectiva ou corrente pedagógica me insiro, desde há muito tempo que responderia: Em quase todas as que li e em nenhuma. Claro que não estou a referir-me a alguma amálgama de ideias contraditórias. O facto é que construí (como todos os professores que procuram um pensamento autónomo) as minhas perspectivas pedagógicas (e também busquei fundamentos sólidos para as que privilegiei) através da selecção, em cada uma, dos aspectos sensatos a conservar - embora, naturalmente, tenha as minhas 'linhas de fundo'. Ou seja, a adopção exclusiva, exagerada ou dogmática de qualquer uma depressa, numa determinada fase lá para o início da vida profissional, me pareceu inadeaqada, seja às realidades, seja à eficácia, ou simplemente a mim mesma.
Considero, aliás, que foram bastante nefastas as passagens, depois do 25 de Abril, de extremos para outros extremos - foram os casos de eliminações de memorização da tabuada e de defesas de que tudo tem que ser bem compreendido antes de memorizado, ou até de traumas com algo que possa ter alguma pequena semelhança com o ensino do antigamente, como seja haver momentos de aula expositivos e exigindo dos alunos que ouçam com atenção e calados informações ou explicações do professor, para não falar de ideias extremadas sobre educação adoptadas muito para além do interior da escola.
Tudo isto pareceria caricatura se não tivesse mesmo acontecido. E, professor que inova na sala de aula e vai adequando as suas inovações a novas realidades (ou pedagogo teórico), só dá um contributo válido com isso se tiver, antes de tudo o mais, as noções de bom senso e de equilíbrio.

Mas eu ia jantar, passei pelo blogue do Miguel e vim, para quê (?) escrevinhar - já acentuei no início que o Miguel não teve culpa nenhuma, ainda menos de eu, em vez de ir jantar, me pôr a escrever também lugares comuns. Afinal, o que queria era apenas fazer o desabafo - que até fiz logo em título - sobre telenovelas de eduquês e anti-eduquês: Poupem-me, por favor!

;)