segunda-feira, julho 31, 2006

Como se continuasse ausente...

Regressar a casa, regressei - e começo por agradecer os votos de boas férias que me deixaram. Mas entrei e o meu computador saiu, que desta vez os seus desatinos precisam de tratamento de perito, e neste emprestado parece que estou numa caixa vazia!
Nestas duas semanas não li jornais, não li artigos, não li posts, no que respeita a notícias limitei-me a um telejornal diário. E, se o mundo se confinasse a este país que tão medíocrezinho anda, nem perderia nada relevante se nem a TV ligasse - ver a triste prestação de Maria de Lurdes Rodrigues na sua ida ao Parlamento esteve dentro das expectativas já rotineiras e, quanto às cenas dos exames, quem ainda se espanta com repetições de remediação ou com perguntas ambíguas que até professores põem a discutir??
Mas, este país não é o mundo, e, no mundo, está a acontecer a agressão de uma potência militar sobre uma população de outro país - sim, eu digo assim, a comunicação social diz de outras maneiras, ou só diz Israel e o Hezbollah, o Hezbollah e Israel, parece que sumiu das bocas e das mentes a história do conflito israelo-árabe (história que não se confina à causa original), que o que é preciso é que o mundo aceite sem demasiada indignação imagens como esta, que recolhi aqui.

Este cantinho não costuma ter imagens assim, além de que é de memórias de professora. Mas ando ausente dessas memórias, ando farta de uma comunicação social quase acrítica, voz das conveniências dos senhores do mundo e de seus formais aliados, subserviente ao papel dela esperado de fazedora das cabeças ocidentais. Ando também a começar a perder algum gosto ou sensação compensatória de, apesar de tudo, pertencer a uma comunidade europeia esperada como preservadora de valores mas que, afinal, ao invés de se distinguir ou diferenciar, embarca nas águas desse poder que (por enquanto) estende pelo mundo os seus tentáculos gananciosos sem que a boca de outras nações (inclusive a que somos) pronuncie o termo terrorista ou o epíteto criminoso, como se as expressões com que intitulam o parceiro americano e se auto-intitulam - mundo civilizado, mundo democrático - concedessem por si só a imunidade. Agitar a bandeira de combate ao terrorismo ou a qualquer grupo que chacina civis indefesos é, indiscutivelmente, defender direitos humanos. Todavia, é preciso algum 11 de Setembro que ponha na visão dos possíveis outros atentados algures, perto, sobre as próprias cabeças, para se recuperar a capacidade de indignação que o quotidianozinho razoavelmente seguro que se vai vivendo faz, de facto, ir perdendo, num quase fechar de olhos a outras formas de terrorismo, belicistas quando as mais disfarçadas não chegam, mas mais geralmente invisíveis, subterrâneas, com as quais o interesse próprio e a ganância do poderio económico tornam ou mantêm num inferno a vida de povos, pois mesmo sem guerra se vive o inferno da fome ou o sofrimento da exploração ou a humilhação de governações fantoches e subservientes.
A meu ver, Israel, neste momento, está a ser uma gota de água (mas uma gota chega para fazer transbordar um copo) a que o Hezbollah serve de pretexto. E as causas perdem a sua justiça a partir do momento em que de vítima se passe a vitimador e outros interesses viciem o que foram outrora causas justas. Israel já teve oportunidades de rasgar o seu papel de vítima, neste momento só lhe consigo vislumbrar a hipocrisia filiada nessa outra hipocrisia maior que todas, sob a qual se processa (até quando, está por ver) a "democrática" supremacia americana. E é desta que estou farta, é sob os seus tentáculos que tenho sentido o mundo, apesar de saber que outros tentáculos se poderão constituir, apesar de ser pequena (embora persistente) a esperança de que alguma vez a humanidade descubra um caminho de libertação - libertação de si mesma, superação de uma parte da sua própria natureza?

Como disse acima, este cantinho não costuma exibir imagens como essa com que a ele regresso. Mas, as memórias de professora andam distantes, também não quero apagar este blogue para iniciar um com outro nome, acho, pois, que pus o título adequado nesta reentrada - sinto-me como se continuasse ausente...

domingo, julho 16, 2006

Ausente por duas semanas

O imprevisto às vezes sabe bem...
Não tinha planos para sair em Julho, eis que, com menos de 48 horas de prazo, surge o desafio "vem comigo", e lá vou eu fugir ao calor insuportável... domingo à noite já estarei a receber a brisa marítima.
Bem, provavelmente pouco escaparei depois ao calor de Agosto aqui por esta Lisboa onde umas fugidas até ao rio ou ao mar têm o preço de um trânsito lento e sufocante, que o meu carrito não tem ar condicionado, mas há que aproveitar as oportunidades do 'hoje', no 'amanhã' pensarei quando lá chegar.
Boas férias para quem para elas for entretanto [e, em férias, não leiam notícias do Ministério da Educação, não tenham receio de perder alguma importante pois não será no verão que ele cairá...;)]

sábado, julho 15, 2006

E porque é a 1ª noite do fim de semana...

...Bom fim de semana! :)

De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.

Eugénio de Andrade


Frederick Church, Crepúsculo na Imensidão

sexta-feira, julho 14, 2006

Adenda

Sobre comentários de Valter Lemos...

Conhecidos os resultados dos exames de Português e Matemática do 9º ano, Valter Lemos emitiu comentários que causariam dó a quem ouviu se não acontecesse que quem o ouve é cidadão deste país - ter dó deste membro da governação do país é ter pena do país que tem tal mentor da política educativa, é, portanto, ter pena de si próprio dado que ao país pertence. Ora, eu não quero ter pena de mim mesma, eu quero é que ponham esse Valter na rua!
Os comentários de Valter Lemos acabaram por ficar sintetizados nesta sua frase digna de constar entre os pensamentos a guardar para a posteridade:
«Esperamos que os resultados continuem a melhorar, até que os níveis de Matemática sejam pelo menos idênticos aos do Português, o que já seria razoável, porque significaria que eram positivos» (Destaque meu).

1º comentário meu:
46 em cada 100 alunos do 9º ano tiveram nível negativo na prova de Português. Considerará o Secretário de Estado da Educação que teremos um país 'positivo' se 'somente' 46% da futura população adulta portuguesa for incompetente na sua própria língua?

2º Comentário meu:
Estatisticamente, os resultados em Matemática apontam para uma pequena melhoria - de apenas 30% de classificações positivas no ano anterior passou-se agora para (também apenas) 36%. Mas... que fácil se tornaria para quem investiga seja que tendência for numa dada população se lhe bastasse ir aplicando testes ao sabor de quem fosse concebendo um e outro e outro como se as variáveis inerentes a diferentes conteúdos e graus de dificuldade desses testes não tivessem qualquer importância! O teste de Matemática deste ano parece mais fácil para os alunos do que o do ano anterior (ou menos difícil, atendendo aos resultados) e, embora dizer que 'parece' não signifique certeza, penso que pelo menos ficou atenuado o factor surpresa perante o tipo de itens. De qualquer modo, pouco interessa que sim ou que não pois o facto é que testes diferentes quanto a conteúdos abrangidos e a graus de dificuldade não podem permitir inferir que as competências matemáticas dos alunos melhoraram (ou pioraram), sobretudo quando a diferença percentual dos resultados é tão pequena. E isto é claro para qualquer pessoa que não esteja distraída - ou trata-se só de números para as estatísticas a pendurar na porta do país e não de tentar perceber como andam saberes e competências dos nossos alunos? Assim, das duas, uma: ou os raciocínios do sr. Valter Lemos padecem de indigência mental, ou o sr. Valter Lemos espera que disso sofram os que o ouvem.

3º e último comentário meu:
Sempre que tenho ouvido ou lido palavras desse personagem do Ministério da Educação, de nome Valter, (admito que tenha azar nas poucas vezes que me dou ao trabalho de o ouvir ou ler) fico prestes a sentir constrangimento, como quem está perante alguém que emite uma estupidez (desculpe-se-me a crueza). Entretanto, não chego a ficar constrangida pois o que me vem imediatamente a seguir é a vontade de gritar: Ponham depressa esse indivíduo na rua!

quinta-feira, julho 13, 2006

Imagens desconexas em jeito de adenda (Da aprendizagem ao exame?)

Learning




















Benjamin Chi Chi


Students


Marion Howard






















(Fonte não identificada)

Perplexidade face ao tema 'exames'

Haver ou não haver exames no 9º ano e que significado ou importância atribuir a resultados já são questões polémicas. Só me faltava agora sentir simplesmente perplexidade perante o assunto!!!

A M. teve 3 na prova de Matemática do 9º ano, tal como tivera 3 atribuído por mim na classificação de frequência. Até aqui, nada a justificar a evocação do caso. Entretanto, aconteceu que a P. também teve 3. Ora, com a M. tudo bate certo, enquanto que com a P. tudo leva à perplexidade.
A M. até se sentia sempre preocupada e insegura com a Matemática porque por vezes esta não lhe corria bem, de vez em quando, quer no 8º, quer no 9º, tinha um teste negativo (embora isso estivesse longe de predominar), mas o seu nível à luz dos meus critérios era 3 - critérios que não nascem de subjectividades. Obtido o 3, não era aluna para deixar de estudar nas duas semanas antecedentes ao exame e também nunca iria para este na atitude de já não importar dado que estava "passada" pois, além de briosa, na sua insegurança era-lhe importante provar a si própria que se sairia bem. É por tudo isto que digo que, com a M., o resultado bateu certo. Mas o resultado da P. (aluna daquelas 'fora de série') não só não bateu certo, como parece inexplicável, pois teve apenas 3 como a M. e outros colegas de níveis de competência bem aquém dos dela, sendo a sua descida não de um nível, mas de dois - de 5 para 3. Acresce que qualquer professor que conheceu a P. confirmará que não era só uma boa aluna, ela era (é) excelente. Foi o único 5 que dei no conjunto das minhas duas turmas de 9º, mas dava-lhe 6 se pudesse "furar" a escala.
Sim, a P. tinha um nível muito bom em termos de competências cognitivas, era excelente na relação com a Matemática, já muito autónoma e com o gosto de perceber tudo em profundidade e em pormenor, a sua concentração ia a ponto de não se deixar perturbar por uma turma turbulenta, além de também não ser aluna para ir para o exame achando que o resultado já não tinha importância. E era calma e concentrada, e eu não estou a pensar nalgum engano ou demasiado rigor na correcção da prova - podia não ter chegado aos 90% por qualquer excessivo zelo do corrector ou por percalço seu, mas a verdade é que nem chegou aos 70 (no exame, 4 é atribuído a partir da pontuação 70 inclusive).
Sei que um caso não chega para que o tema 'exame' me passe a causar perplexidade. No entanto, sobretudo depois de ver a prova, não difícil e até quase sem itens que pudessem considerar-se inesperados para os meus alunos, não só não imaginei esta aluna a baixar do seu 5, como também pensei que talvez a H. e o M. subissem os seus quatros - esse 4 em que os mantive porque nos quatros e cincos sou bastante exigente como sempre o reconheceram os meus alunos e vários pais atentos. Pois não subiram, ao contrário, tiveram 3 - mais dois resultados inferiores a 70%, lado a lado com a mesma classificação daqueles colegas que mantiveram um 3 que eu atribuíra como nada mais do que médio - lado a lado, inclusive, com O V., que conseguiu 3 na prova tal como na frequência e, no entanto, o cômputo final foi reprovação de ano. Contudo - e para finalizar estes exemplos com outro a contrariar tendências que aqueles sugerem -, penso na I., com boas capacidades, mas não tão boas quanto a H. ou o M., que foi a exame com 4 e nele 4 teve.

Não consigo, não consigo mesmo imaginar, para mais nesta prova deste ano, como é que a excelente e impecável P. cometeu tantos erros ou lacunas para descontar pelo menos 31 pontos!!! Como é que cometeu quiçá tantos ou quase tantos como colegas de não mais do que nível 3 médio??? Enfim, já não sei aventar hipóteses de causas de certos resultados nos exames, enquanto que até agora, se causas certas não sabia em cada caso, várias me pareciam óbvias enquanto conjunto de situações ou atitudes dos alunos passíveis de ocorrer e de concorrer para taxas de insucesso a nível nacional que interrogo se não são excessivas em termos de correspondência real a verdadeiro défice de competências dos nossos jovens alunos - e, note-se, o tipo de resultados que exemplifiquei não entra na estatística do insucesso, pois limitei-me a casos que, mesmo baixando em relação à nota de frequência, se mantiveram na escala positiva.

P.S.:

Acrescento, não para fugir a pôr-me em causa, mas apenas porque, sendo verdade, é uma achega para a reflexão sobre o assunto, que tenho a felicidade de poder dizer que os alunos que me saíram das mãos para o Secundário com 5 andaram neste pelos 18, 19, valendo então as perguntas: 'o que indica a nota de exame?', 'a nota de exame numa idade de 9º ano indica o mesmo que as notas que os professores atribuirão no Secundário?', 'para que sucesso trabalhamos?', 'significa o sucesso num exame o mesmo que sucesso no prosseguimento da escolaridade ou na vida?'

quarta-feira, julho 12, 2006

"Canto em Qualquer Canto"

Ney Matogrosso - actuou esta noite no Coliseu dos Recreios. Uma noite que ainda está comigo (já passou para novo dia), a não apetecer ir dormir para a reter nos ouvidos e nos olhos um pouco mais. Embora Ney tenha deixado para trás aquelas encenações excêntricas com que o recordo e que faziam da sua actuação um espectáculo original um tanto louco, a sua presença ainda tem, por vezes, leves reminiscências desse estilo passado, por exemplo na sua meneante entrada em palco com uma veste soberba, peito desnudado.
Ouço pouco Ney Matogrosso em disco apesar de estar entre os meus favoritos, era de não perder a oportunidade da sua actuação em Lisboa pois, em palco, ele torna grande a diferença fazendo do conjunto voz e presença uma exibição excelente, a meu ver.
A acompanhá-lo, um notável quarteto de cordas que inclui o português Pedro Jóia (alaúde e violão), sendo os outros instrumentistas Marcelo Gonçalves (violão de sete cordas), Ricardo Silveira (guitarra) e Zé Paulo Becker (viola e violão).

Em baixo, uma imagem de Canto em Qualquer Canto noutra actuação, no Brasil.

(Actuação Canto em Qualquer Canto gravada
para o programa de fim de ano de 2004 do Canal Brasil)

Aqui fica um bocadinho de som - de Bandoleiro, e também de Duas Nuvens na 1ª parte em que só Pedro Jóia acompanha.



segunda-feira, julho 10, 2006

Nas horas de cada dia

Um post da Tit sobre o Tempo trouxe-me à memória uma época em que os dias pareciam passar mais devagar, sem a sensação de que cada 24 horas não chegava para fazer tudo o que gostávamos de fazer. E, não penso apenas no que tomamos como tarefas ou afazeres obrigatórios, mas nas outras coisas que as apenas 24 horas nos vão levando a adiar, como a pilha de livros em espera, o ir contemplar devagar o rio ou o mar, o encontro com amigos que a agenda vai obrigando a protelar, o filme ou peça de teatro ou concerto ou exposição que não queríamos ter perdido mas já passou.

Vim estudar para Lisboa com 15 anos, na minha vila natal não havia onde prosseguir os estudos mesmo ainda liceais, foi com essa idade que passei a ter a responsabilidade de tomar conta de mim (embora com o controlo que meus pais pediam aos meus hospedeiros). E tenho bem presente na memória essa Lisboa de então, lembro como sentia os sons e cheiros matinais de uma capital em que tudo se podia saborear devagar - os eléctricos com o tlin tlar isento da poluição sonora de businas, deslocando-se nos carris sem altas velocidades, as pessoas que desciam à rua ao encontro dos vendedores quando escutavam os pregões das varinas, leiteiros e ardinas e que diziam 'bom dia', 'bom dia vizinha', 'bom dia menina', ainda não tornadas anónimas ou indiferentes nas pequenas multidões de hoje, também as ruas, largos, fontes por onde se não passava de automóvel, por onde não se passava sem nelas sequer já reparar, e ainda os cafés não em grande quantidade mas que não fechavam às 21 horas, hoje encerrados no tempo que se conseguia que sobrasse para o café com amigos após o jantar, empurrando assim os jovens para mil e um bares e os adultos para casa a nesta substituirem por alguma comunicação (por vezes anónima) via Internet aqueles pontos de encontro onde não era preciso combinar para se saber que alguns amigos e conhecidos lá estariam de certeza.

Já que me reportei aos meus 15 anos, comparo o tempo dos adolescentes de então com os de hoje. É verdade que as horas no liceu eram lentas porque quase todas as aulas eram chatas, algumas a parecerem infindáveis, mas até nestas se ia arranjando tempo para ler, escrever ou divertir a jogar a batalha naval com a colega do lado ou da frente perante uma ou outra professora que, lá de cima do seu estrado, expunha o tempo quase todo para uma turma que não olhava com olhar de ver, abstraída na sua exposição. Mas o horário do liceu terminava cedo, dava para ir para casa fazer os tpcs e depois sentar confortavelmente, pernas estendidas, na entrega ao enorme prazer de ler que era comum a tantos estudantes. E, os que não estudavam nem tinham livros (muitos mais, eu sei), também tinham tempo, que parecia tanto, para esses jogos de rua hoje apenas chamados jogos tradicionais do antigamente, jogados naquelas algumas ruas em que raramente passava um carro e nos pátios e terrenos trazeiros aos prédios, ainda não tranformados em parques de estacionamento a abarrotar.

Hoje, os adolescentes passam dias inteiros na escola com pequenos intervalos entre aulas nos quais, em muitos casos, não há espaços senão para encontrões e atropelos. E chegam cansados e tarde a casa, o tempo já só dá para os tpcs ou, para os que optam pela TV, a playstation ou a conversação oca no msn mais não resta do que pensar à pressa numa desculpa a dar ao professor. Depois chega o fim de semana, os que ainda saem com a família são arrastados por esta para um dos centros comerciais que nascem por todo o lado como ervas, de preferência, aqui na capital, para o atordoante e alienador Colombo, há sempre pretexto para aí passar uma preciosa tarde, um qualquer objecto é inventado como pretexto de ir 'às compras' para mais um gasto não indispensável a aumentar a dívida que o cartão de crédito vai acumulando, além de que para captar a companhia do adolescente é preciso arranjar tempo para a escolha de uns ténis de marca ou mais um jogo para a playstation - que decepção se a proposta fosse a aquisição de um livro -, e para as crianças lá se concedem 15 minutos, da tarde de atordoamento por corredores de montras, para brincarem nos pequenos espaços a elas destinados.

Este post não significa saudosismo, apenas saudade; não significa que eu tenha ficado no passado a criticar o progresso, somente uma pergunta sobre se tudo o que parece progresso aumenta de facto a qualidade de vida. Eu até vivo mais devagar desde há alguns anos (embora poucos), a necessidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo numa ginástica para caberem em cada 24 horas já ficou para trás enquanto obrigação - filhas com a sua vida autónoma, outros empreendimentos já com a experiência a fazer ponderar melhor em termos do que são investimentos com significado ou utilidade, para não falar da profissão, pois só agora chegou ao fim. Todavia, neste tempo a poder usar com mais vagar, não deixaram de permanecer as tantas coisas adiadas que referi acima. Por isso, me suscitaram memórias e (mais uma vez) reflexão sobre a ocupação do nosso tempo estas palavras da Tit que me permito reproduzir, a terminar: "
Mas... corremos afinal para quê? Para chegar onde?... Poupamos Tempo por uma vida com mais Qualidade, ou queremos apenas Tempo pelo Tempo?"

sábado, julho 08, 2006

sexta-feira, julho 07, 2006

Intercalando

Antes de prosseguir nas memórias "Sortes e azares do acaso", trago hoje um caso que também ainda tenho na cabeça. É do ano lectivo que agora finda. É daqueles casos que, mesmo dizendo-me que um professor não pode conseguir tudo o que desejaria, não deixam de pôr na mente a palavra 'falhei'.

O R. foi meu aluno apenas neste ano. Veio para uma das minhas turmas do 9º com mais seis colegas (no ano anterior a turma tivera só 19 alunos, havia vagas para alunos transferidos ou repetentes).
Revelou-se um aluno com insuficiente desempenho, era muito pouco participativo e parecia não se esforçar em casa até pelos TPCs algumas vezes trazidos em branco.

Sete alunos novos, alguns repetentes, numa turma com diversos casos a requererem constante atenção individual, uns por frequentes recaídas no fingir trabalhar na aula e nem a fingir em casa, outros por lhes ser a Matemática difícil e o pedido de apoio um bom hábito, além de, no mais geral, ter os grupos funcionando em dinâmica já há muito adquirida, mas, claro, solicitando sucessivamente a professora e reclamando "stôra, então, agora nós!". Em suma, uma turma em que já não era fácil o tempo e a minha atenção darem para tudo.
Reorganizaram-se os grupos para integrarem os novos colegas, mas eram sete para conhecer depressa, que o seu 3º Ciclo já ia na parte final. E o R., que, ao contrário dos colegas, não chamava nem colocava dúvidas, omitindo mesmo o que não percebia quando eu ou os próprios colegas de grupo nos queríamos certificar, parecia comprovar nos testes a ideia de aluno pouco interessado e pouco trabalhador que acima descrevi.

Foi tardiamente que percebi que o R. tinha mesmo dificuldades, além das lacunas de anos anteriores que eu ia detectando - provavelmente transitara de ano para ano com nível negativo em Matemática. Pedi-lhe para não deixar de colocar as suas dúvidas e, já a meio do 2º Período, disse-lhe que lhe proporcionaria actividades de recuperação, teria era que corresponder com trabalho em casa - o que não teve ainda nenhum comentário sobre a minha ideia de que era pouco trabalhador. Procurei ir mais vezes junto dele e pedi particularmente a um colega de grupo que me chamasse (o R. não o fazia) quando achasse que ele ocultava que não estava a perceber algo.
Um dia... aconteceu o inesperado. O R., em resposta a um reparo que lhe fiz, mas privadamente, disse-me então que estudava muito em casa mas... "estudo, mas não consigo, stôra". Nunca me parecera que estudasse, no entanto não duvidei, percebi que estava a dizer só a mim o que nunca dissera perto dos colegas, e senti... senti o que julgo que sente qualquer professor que falha injustamente ao ajuizar sobre um aluno. Aliás, o seu estudo viria a ser confirmado pelo pai à directora de turma ao contar que o filho era muito preocupado, passava muito tempo com os livros e cadernos, muitas vezes não se queria deitar a horas adequadas porque queria estudar. Talvez não o soubesse fazer, é frequente detectarmos alunos que têm erradas estratégias de estudo, preocupados com memorizações não soltam o raciocínio e acabam por não perceber o que estudam.
O R. estava frágil em várias disciplinas, foi admitido a exame porque, dos três níveis negativos na avaliação interna final, dois foram em Português e em Matemática - ainda não se conhecem os resultados dos exames nestas duas disciplinas, mas é quase óbvio que reprovará neste seu 9º ano.

Pode ser verdade que havia um contexto que explica que a professora de Matemática (eu mesma, claro) tenha passado quase dois períodos com a ideia de que este aluno era dos que não se esforçam - ideia afinal decorrente de uma inibição que antes parecia ser um insuficiente envolvimento no trabalho nas aulas e de um silêncio sobre esforço para fazer vários TPCs trazidos em branco sem dizer que apagara por verificar que estavam errados. Pode ser verdade que, numa turma com certas características, o tempo não dá para tudo e que essas características dificultam que se repare que um aluno não é o que parece. Pode haver muita justificação que um professor dê a si mesmo. Mas... também é verdade que eu sei que há alunos inibidos pela falta de autoconfiança, por sucessivos insucessos numa disciplina como Matemática, por lhes custar dizerem que estudam mas não se sentem capazes. Um aluno diz-me tardiamente "estudo, mas não consigo, stôra" e fico surpresa, percebo que me enganara no juízo que até aí fizera. Será verdade, como já disse, que o tinha a ele e mais seis novos para conhecer e intuir já num nono ano e numa turma cheia de solicitações. Mas... deixei-o no único grupo que não tinha um aluno "forte", embora grupo de alunos médios - deixei porquê?, deixei só porque cada um dos melhores alunos já tinha colegas para ajudar e o R. não parecia suficientemente interessado; mas... .......; mas... o facto é que não intuí esse menino, foi preciso ele dizer-me.

Este relato não significa um sentimento de culpa pois culpa é um tipo de sentimento que racionalizo e rejeito. No entanto, significa que ainda soa na minha mente a frase tardia e comovente "estudo, mas não consigo, stôra", significa, em resumo, que falhei.


Fresca ainda a derrota da selecção portuguesa no jogo com a França, vem a propósito dizer que terá feito o seu melhor e que terá jogado globalmente bem, mas não ganhou e isto implica assumir que, nesse jogo, falhou, não se pode escamotear esse facto. Também o professor, por mais esforçado e empenhado que seja, quando não intui a tempo um aluno, com esse aluno falhou - mesmo que não possa garantir que, se tivesse intuído a tempo, teria podido fazê-lo superar as dificuldades, pois o professor falhou antes de poder dizer que não foi possível, falhou na intuição em tempo oportuno. E é esse o risco quando, numa sala, se multiplica uma atenção particular por n alunos que dela precisam e afinal são n+1 que necessitam.

quarta-feira, julho 05, 2006

Intervalo

Dalida, Le temps des fleurs.


...
C'était le temps des fleurs
On ignorait la peur
Les lendemains avaient un goût de miel
Ton bras prenait mon bras
Ta voix suivait ma voix
On était jeunes et l'on croyait au ciel
La, la, la...
...
Tout comme au temps des fleurs
Où l'on vivait sans peur
Où chaque jour avait un goût de miel
...









Renoir (1864)

terça-feira, julho 04, 2006

Sortes e azares no acaso - I

Neste caso de memória tão antiga, foi, foi mesmo um acaso que mudou uma menina triste para uma menina feliz, com consequências decisivas da sua vida pelo menos a curto e médio prazo.

Iam começar as aulas, soubemos uns dois dias antes que havia naquela nova turma de 5º ano uma aluna com uma deficiência, mas ninguém sabia dizer qual a aluna e de que deficiência se tratava. A professora do apoio comunicara apenas essa informação e ainda não pudera comparecer na escola.
Calhou ser a minha aula a primeira da turma, pelo que me coube fazer a identificação do caso. Mas, recebendo os alunos e conversando, nada notei - nos anos anteriores tinha tido um aluno com deficiência visual acentuada e duas alunas com paralisia cerebral, pelo que esperava uma deficiência facilmente detectável. Recorri então a um expediente: Ao distribuir umas fichas habituais para preenchimento de alguns dados, disse aos alunos que mas viessem entregar ao terminarem, um de cada vez, e que se alguém tivesse algum problema (dei o exemplo de não ver ou não ouvir bem) mo dissesse então (o que era fácil de suceder privadamente, pois a sala era grande, havia suficiente distância entre a minha mesa e as primeiras dos alunos).
Quando a Helena me veio entregar a sua ficha, disse _Eu tenho um problema. E, quase de imediato, declarou, exactamente assim: _Sou atrasada mental.

Salto, neste relato, o choque que procurei não evidenciar perante afirmação tão crua e o diálogo com ela, também a confirmação do atraso pelo relatório médico que a professora de apoio finalmente trouxe, e ainda o período que decorreu até ao acaso que veio a suceder.

A Helena era tímida, tinha um ar triste, e inibia-se de intervir se não fosse solicitada, sendo também nítida a inibição para responder, mesmo sabendo. No entanto, trabalhando em Matemática no grupo em que estava a melhor aluna (simpática, dinâmica e com grande espírito de ajuda), foi perdendo a inibição com os colegas de grupo e, curiosamente, em particular com essa colega - ou não tão curiosamente assim, pois tive muitos alunos a quem cheguei a dizer, brincando, que tinha que partilhar o meu salário com eles ;)
Um dia - o dia do referido acaso -, aproximava-me eu do grupo da Helena quando, com espanto, a ouvi discutindo com a colega, que lhe explicava a resolução de um exercício sem que a nossa Helena estivesse de acordo. E logo se tratava de um dos assuntos de iniciação mais difícil para 5º ano - a propriedade distributiva da multiplicação e sua aplicação inversa -, e o exercício tinha, pela primeira vez, um pormenor em que habitualmente todos começavam por "escorregar", era o que estava a acontecer à melhor aluna da turma enquanto fui ouvindo, discretamente, a Helena discorrer e tentar explicar à colega o erro desta. O acaso foi o de eu estar a aproximar-me sem repararem, pois a Helena tinha-se desinibido com os pares do grupo, no entanto mantinha grande inibição com qualquer professor (apesar de ser encorajada e do cuidado em não fazer perguntas que a inferiorizassem mas aproveitando-se para as fazer quando se verificara ou percebera que saberia a resposta, a inibição não era ultrapassada), o que condicionava a oportunidade de a ouvir raciocinar e explicar.
Depois de intervir, não deixando de dar os parabéns bem sinceros à Helena pelo seu bom raciocínio no exercício, só desejava que a aula acabasse para correr à procura da Luisa - a directora de turma - e, mal a vi, disse-lhe que tinha acontecido uma coisa extraordinária, uma prova de que a Helena conseguia raciocinar normalmente. Contei-lhe o caso, com a descrição do exercício em pormenor, e a Luisa ficou tão excitada quanto eu. Ela também já andava a reparar que, fora do contexto da sua disciplina, em debates 'não curriculares' que se proporcionam mais a um director de turma, a Helena começava a desinibir-se e a manifestar as suas opiniões e argumentos com uma inteligência normal, isto é, não revelando aí atrasos em relação aos colegas.

Entretanto, ambas já tínhamos começado a ter uma suspeita, embora nos parecesse ilógica. A suspeita era de que a Helena ouvia mal, mas parecia-nos ilógica porque, apesar de família pobre, tivera diagnóstico médico e acompanhamento, viera para o 2º Ciclo por se considerar que não adiantava continuar retida, mas estava a ser apoiada escolarmente num centro especializado onde ia umas duas vezes por semana, pelo que nos parecia impossível que, a haver uma deficiência auditiva, não tivesse sido detectada - a nossa suspeita era ainda incipiente pois, embora a Helena, quando interpelada, pedisse com frequência para repetirmos, tal podia dever-se a estar distraída ou a dificuldade de compreender a pergunta.
Face ao caso sucedido na minha aula, lembrámo-nos logo daquela suspeita e a Luisa pediu de imediato a comparência da mãe para lhe perguntar se não tinha nenhuma indicação de que a menina pudesse ouvir mal. À mãe nunca tal tinha ocorrido, mas disse que, de facto, a filha muitas vezes começava por dizer 'anh?' quando lhe falava um pouco de longe, o que atribuía a ela estar frequentemente distraída, pensando até que o 'anh?' se tornara uma espécie de hábito. Claro que a Helena foi logo a uma consulta e... foi mesmo detectada uma deficiência auditiva!!!!!!

Salto de novo este relato já tão longo. O Conselho de Turma decidiu que a Helena transitasse para o 6º ano com alguns níveis "esticados", e ela, informada de que as suas dificuldades de aprendizagem logo no 1º Ciclo podiam ter sido devidas a não ouvir bem e não o dizer (ou não se aperceber), perdeu o seu ar triste, foi ultrapassando a grande inibição e veio a fazer o percurso do 6º ano com um desempenho progressivamente mais satisfatório, sendo aprovada com níveis positivos que já não precisavam de ser "esticados".

Aprovada, mas não só. A Helena viu realizado o seu sonho de conseguir obter o 6º ano e começar a preparar-se para ser costureira, para o que tinha muito jeito e era a sua ambição, pois não a deixámos ir embora sem obtermos a colaboração da Junta de Freguesia para que lhe fosse oferecida a máquina de costura que as posses da família não permitiam adquirir - máquina de costurar e bordar, pois claro, não íamos deixar que a Junta diligenciasse menos! :)

Assim, um acaso numa aula foi um acaso de sorte, a transformar uns olhos tristes em olhos sorridentes. Sem esse acaso, será que teria avançado a incipiente e ilógica suspeita de que um problema de audição podia ser a causa de dificuldades logo no início da escolaridade e de posteriores inibições, bem como de bloqueios de raciocínio resultantes de um rótulo cruamente colado e assumido??? Não sei responder, mas inclino-me para que não, todas as características que aquela menina parecia revelar remavam contra ela - iríamos pensar que um médico se ficara pelo seu diagnóstico e que um centro de apoio especial deixava por descobrir um problema que, embora não sendo perfeitamente evidente, não deixava de tornar incompreensível não ser detectado até aos 14-15 anos???

Para a Helena, onde esteja

(Brian Cody)

segunda-feira, julho 03, 2006

Sortes e azares no acaso - Preâmbulo

Serão quatro memórias - duas de acasos que foram sorte na vida das respectivas alunas, outras duas de acasos que foram azar.
A primeira é muito remota, tem entre 20 e 25 anos, fui buscá-la intencionalmente a fim de a escrever em primeiro lugar para que as seguintes, inevitavelmente situáveis nalgum dos dois últimos anos lectivos devido a que só nestes houve exames de 9º ano, não sejam entendidas como personalizáveis nem inferidas em detrimento de seja quem for, o que seria abusivo pois os meus relatos serão um modo de lembrar que outros casos vão acontecendo, alguns resistentes até aos melhores esforços, os meus relatos serão, em suma, um motivo para dizer (e dizer-me, dado que deixei de dar aulas, mas não deixei de lidar com crianças e adolescentes, directa e indirectamente) que é sempre momento de tentar fazer ainda mais do que já se faça - nem que só de um pouquinho mais se seja capaz -, tentando o possível e, porque não (?), o quase impossível para que sejam desnecessários certos acasos de sorte e não aconteçam certos acasos de azar.
(Continuação nos próximos posts)

Novo mês, nova semana...

Para um bom começo, deixo esta sugestão.
Boa semana! :)

Pierre Bonnard (1914)

sábado, julho 01, 2006