terça-feira, janeiro 31, 2006

Eu e o meu novelo

Continuo a precisar de pegar numa ponta da meada e depois seguir devagar, isto é, preciso de reflectir antes de voltar a escrever (opinar) sobre o estado do sistema educativo. Mas constato que a minha reorganização do tempo deu em desorganização, ou então, o que acontece simplesmente é que ando sem tempo para parar um pouco. Pensar... isso o pensamento não pára, mas o que precisava era de pensar devagarinho para não me precipitar - já nem falo de ir procurar documentos para tornar mais presente na memória a sequência de certas reformas, reformazinhas e medidas avulsas (mas nada insignificantes) nas recentes décadas de "prioridades" para a educação-ensino.

Sobre a próxima revisão do nosso ECD, as minhas apreensões começam nas motivações da Srª Ministra para a fazer, mas como se deve dar o benefício da dúvida mesmo quando o que parece... até parece mesmo, estou a conter os meus dedos nas teclas, indo soltando-os apenas em comentários avulsos noutros blogues, sobre este ou outros temas.
Mas sugiro vivamente a participação no debate que o Miguel Pinto lançou aqui.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Todo o tempo é semente

Grant Wood, Seed Time
_______________________________

Todos os bosques e todas as florestas foram destruídas,
assim como todos os jardins
e todas as obras de arte.

E os seres humanos limitaram-se a ficar sentados
sem nada fazer.

Um dia uma rapariguinha que nunca tinha visto uma flor
viu, por acaso, a última flor do mundo.

Um dia uma abelha visitou a flor,
e depois veio um passarinho.
Em breve apareceram duas flores, depois quatro
e depois muitas flores.
(Excertos de A última flor - James Thurber)


(do original, 1939)

Senti algum desânimo nas últimas palavras - "Tirem-me deste filme" - deste post. Às vezes também me apetece dizer Tirem-me deste filme!, e, nalgumas dessas vezes, no filme a que me refiro o estado da escola até é só um pequeno documentário de abertura ao filme principal, com temática mais funda.
Mesmo assim, o desânimo que me pareceu ler - e embora o tome como momento fugaz - fez-me ir a um blogue, onde não ia há mais de dois meses, procurar algo que sabia que havia de encontrar por lá, posto num desses momentos em que quero dizer ao desânimo Vai-te, diabo, que t'arrenego! E foi de lá que trouxe isso que está no meu post de hoje. (Não roubei nada, - é um cantinho onde vou raras vezes só para colocar uma espécie de metáfora que solte algum pensar de momento comigo mesma, ainda não fiz clic no delete your blog, mas mantenho-o "apagado").

P.S. O Miguel Pinto, a quem hoje dedico especialmente este post, é um óptimo descobridor na blogosfera, mas desta vez... livra-te, Miguel, de ires descobrir o tosco do mencionado bloguezito!!!

Adenda: Acabei de ler um post do Miguel Sousa (ele sabe qual), ainda venho a tempo de estender a dedicatória especial - Miguel, aqui fica a minha singela dedicatória também para ti.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Porque parece o tempo passar cada vez mais depressa? ;)

"Acho que ando a precisar de recuperar a ponta da meada e depois seguir devagar um só fio condutor" - escrevia eu há poucos dias. E...
" Do que ando a precisar é simplesmente rever e repor as minhas prioridades nas 24 horas de cada um dos 7 dias da semana" - escrevia eu também uns dias antes desse. Mas há tarefas e compromissos do dia a dia que também são prioritárias, e o dia, os dias, as semanas passam a correr, mudar de ambiente mental requer programar coisas diferentes que caibam no tempo dos dias, e lá vêm os mil pretextos: hoje estou cansada, está tanto frio, não combinei a tempo, não me sobrou tempo...
Entretanto, a verdade é que, para recomeçar pela ponta da meada do pensamento a fim de seguir um só fio condutor, preciso de primeiro esvaziar a mente do emaranhado de fios. E, esvaziar a mente deles é levá-la para ambientes onde se encha da visão de uma paisagem, da melodia de uma orquestra a tocar uma das peças que a genialidade nos legou, enfim, ambientes de magia e diferentes das rotinas.
Dizemos que o tempo parece que cada vez passa mais a correr... sobre isso, entre os PPs que me chegam à caixa do mail, encontrei um com uma ideia engraçada. Resumindo a ideia: Parece que o tempo acelera quando ficamos mais velhos e que os natais chegam cada vez mais rapidamente porque, quando se começa a repetir algo exatamente igual, a mente apaga a experiência repetida; conforme envelhecemos, começam a repetir-se as mesmas ruas, pessoas, problemas, desafios...enfim, as experiências novas (aquelas que fazem a mente parar e pensar de verdade, fazendo com que o dia pareça ter sido longo e cheio de novidades) vão diminuindo.
Chamei ideia engraçada, porque não sei se isso de a mente apagar as experiências repetidas terá alguma base científica [riso]. Mas, que a quebra de rotinas (rotinas que não têm que ter sentido pejorativo, podemos fazer todos os dias as mesmas tarefas sem as fazermos rotineiramente) fazendo coisas diferentes que nos entusiasmem ou encantem é de facto viver mais no mesmo tempo, isso é.
Em conclusão, posso matar dois coelhos numa só cajadada, como se costuma dizer: esvaziar a mente dos emaranhados mediante pequenas fugas para ambientes diferentes e ... viver mais! Afinal as pequenas preguiças, como ficar no quentinho da casa com o pretexto de que está frio ou a chover, também são preguiça de viver mais? (Até parece que não sabia já isso, mas a gente vai inventando que não sabe).
O melhor é aproveitar o momento de pico de consciência para desejar um resto de semana de bom trabalho e um bom fim de semana, não vá eu reprogamar já o resto da semana até domingo...
(Será?... Ou só blá blá blá?)

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Passando para outra matemática

Agora que acabou a matemática das sondagens e projecções, vai um post que me apetece colocar desde que a Teresa me fez ter saudades de ensinar 2º Ciclo (que ensinei durante grande parte da vida). Saudades, porque (transcrevendo o que já disse num comentário) é nessa idade que a gente descobre a verdade dessa frase de Freinet que tenho aí em cima em jeito de lema do blogue. Com os adolescentes, agora fica mais difícil, não por serem adolescentes, mas porque continuo a achar que a sociedade anda a tirar as "magias" a esta geração de putos.
Eles podem gostar de Matemática, podem, sim! E, para repetir isto (porque é preciso repetir e repetir, contra as ideias de Matemática-Papão que tantas vezes já trazem para a escola, algumas vezes transmitidas até por familiares que guardam má recordação dela), para repetir isto, dizia, não vou escrever nenhuma memória, vou só "roubar" uns excertos de dois testemunhos alheios. Não pedi autorização, mas penso que as autoras não se vão zangar.

"É urgente e importante reflectir sobre o insucesso na matemática. Pessoalmente custa-me muito entender a aversão/má relação com esta disciplina. Gosto de matemática e gosto de ajudar os alunos a gostar também. Era para mim muito gratificante ouvi-los dizer entre si "afinal isto até é fácil". Era fácil porque num ambiente disciplinado mas descontraído eles iam descobrindo e construindo o seu próprio saber, dialogando com o grupo. Partilhando conhecimentos e ideias iam ganhando gosto pelos desafios propostos, confiança em si próprios, modificando a sua relação com a Matemática e, não menos importante, cimentando amizades e aprendendo a ser solidários." (De m.n., com quem trabalhei lado a lado vários anos - comentário deixado no meu post de 23 de Setembro)

"Quando hora e meia passa depressa e se ouve (sabe tão bem ouvir) “O quê? Já?”. Quando a Matemática passa de filme que nos aterroriza, a filme de aventuras preferido, onde queremos entrar como actores. Quando o Miguel, sorrindo misteriosamente, comunica à turma ........ Quando o António....... Quando a Rita.......... Quando a Cátia.......... Quando o João corrige erros no Manuel........... Quando a Maria (a repetir o 5º ano, e que diz muitas vezes de si própria que é burra) ultrapassa autonomamente as dificuldades de procedimentos de cálculo, depois de lhe ter sido finalmente provado que ela era inteligente e capaz de resolver problemas complexos... só se enganava nas contas..........Quando os dedos se agitam no ar para explicar, para perguntar... Quando já não se desiste das tarefas.......
Quando........... "
(Retalhos deste post da Teresa, creio que foi o primeiro que li quando descobri o seu blogue)

domingo, janeiro 22, 2006

O dia...

...será de silêncio também - durante ele, às 19, às 24 h.
Este cantinho é para todos os que o queiram visitar e partilhar. Une-nos a Escola, os Alunos, e, nesse elo, interrogações, perspectivas ou propostas diferentes, mesmo discordantes, são o pão que alimenta a discussão, são os desafios a este grande desafio que está a ser pensar A Escola.
É um blog bem definido, memórias circunscrevem-se, directa ou indirectamente, só às de professora. Mas na minha vida, agora já tão constituída por desenrolar de memórias, houve outras causas (há, pois mesmo quando algo inactivas, permanecem), outras lutas, para fora da escola, vivendo o país e o mundo. Isso, de vez em quando aqui perpassa apenas num pensamento ao de leve, discretamente, mais em metáforas com que falo só comigo mesma.

Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes

Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio

Sophia de Mello Breyner Andresen, Instante

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Antevéspera

Os meus netos deram-me flores, tenho a salinha cheia de margaridas.
Mas ouvi dizer que já houve uma sondagem, que o que se vende mais são flores de plástico, perdão, queria dizer flores artificiais. O seu fabrico tem sido tão aperfeiçoado que muitos já nem distinguem. Uns, as vendem em vasos com terra para ainda parecerem mais verdadeiras, outros, as compram para eles mesmos as porem em casa nos vasos - os primeiros para que as pessoas percam a mania de regar flores, os segundos para não terem o trabalho de as regar.
Entretanto, restam os que regam dia a dia as flores dos seus jardins e guardam entre duas páginas de um livro especial aquela especial que num dia especial receberam.
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Há homens que são capazes
de uma flor onde
as flores não nascem.
Outros abrem velhas portas
em velhas casas fechadas há muito.
Outros ainda despedaçam muros
acendem nas praças uma rosa de fogo.
Tu vendes livros quer dizer
entregas a cada homem
teu coração dentro de cada livro.
Manuel Alegre, Livreiro da Esperança - a Felisberto Lemos

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Fios emaranhados

L. W. Hal, Child with Yarn

Depois de pensar em teias (e outras teias diferentes), é tempo de me deter numa sensação que de vez em quando me vem - a de um emaranhado de fios dentro da minha cabeça. Demasiados pensamentos a cruzarem-se, de vez em quando também pensamentos vindos lá de fora, daqueles que batem na cabeça e me lembram que é previdente comprar um capacete protector.
O exterior, o real, é complexo e contraditório, uma filosofia sobre a vida (creio que qualquer uma) fica com buracos e uma pessoa tem que andar frequentemente a coser a sua.
E os pensamentos que se cruzam às tantas emaranham-se, e puxa-se um que serena, e vem outro que nos zanga, e num dia escreve-se porque a mente está cheia do que nos encanta, e no outro já se escreve porque ao longe se vislumbram corujas e abutres e ao perto cabeças curvadas. Entretanto, este oscilar do estado de espírito desagrada-me, acho que ando a precisar de recuperar a ponta da meada e depois seguir devagar um só fio condutor - um só, o mesmo sempre, ainda que com nós para desatar.
Difícil!
Se calhar é mesmo preciso pegar em fios contraditórios e empreender atá-los para perceber a unidade daquela pessoa que estranhamos ter um a sair de cada orelha em direcções divergentes, para percebermos o ponto de coerência do real cheio de fios a apontar para horizontes opostos, um com o sol a nascer, outro com a noite a escondê-lo, outro..., outro... e mais outro... a atrapalharem a percepção do sentido em que o novelo deles todos se desenrola.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Já somos mais...

Tempo de Teia: um blogue recente que descobri hoje (graças ao Miguel Pinto, sempre atento). E também mais um (uma, neste caso) colega de Matemática - não me levem a mal o duplo regozijo, depois de termos tido um lugar destacado no banco dos réus é natural o prazer de encontrar mais testemunhos do gosto de ensinar Matemática e, sobretudo, de que esta não tem que ser disciplina "papão".

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Pensando (ou sentindo)...

Mas é melhor pensar que ontem foi domingo :)

Ron Stephenson
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...a política educativa













David & Goliath Gallery




...prepotência a pairar (mas sufocar, já me bastou noutros tempos)










C. D. Friedrich, Woman with a cobweb between leafless trees





...a política mundial













Ed Vidal, Cobweb

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Da minha leitura no serão de ontem

Li quase de ponta a ponta o 1º número da nova revista sobre política educativa, Pontosnosii, cujo anúncio também recebera no mail. Há opiniões sobre vários subtemas, e opiniões não deixam de ser provocadoras de pensamento, pontos de vista contribuem para que este não permaneça estanque sobre as questões que nos tocam ou preocupam. Mas, nesta como noutras publicações, mesmo separando de opiniões pouco ou nada sólidas outras mais sólidas, estas últimas não deixam de ser o que são: opiniões. Assim, o que eu mais destacaria no que li é uma frase, logo no editorial, pois ela tem implícito um princípio que não é uma questão de opinião, mas sim inquestionável - a necessidade de fundamentação. "Continuaremos a aceitar comodamente que opções determinantes para o futuro dos nossos filhos e da nossa terra sejam tomadas pelos «tudólogos», (os que sabem tudo e de tudo) que não sentem necessidade de fundamentar coisa alguma?"
Fundamentar... eis a questão, o princípio. De qualquer equipa ministerial espera-se responsabilidade e rigor intelectual, espera-se que as opções sejam tomadas depois de fundamentadas. E fundamentos são estudos, conhecimento, procura, inclusivamente, de experiências internas ou de outros países para análise das bem sucedidas e não repetição das que provaram ineficácia. E fundamentos requerem recurso a colaborações especializadas e validadas, isento de favoritismos nas irmandades de cores político-partidárias. Espera-se ainda não precipitação, ponderação das realidades a que se vão aplicar as opções, pesagem também de efeitos que possam reverter em consequências negativas o que potencialmente comporte resultados positivos.
Qualquer equipa ministerial que mexa em coisas tão fundamentais como a educação, a formação e o futuro das nossas crianças e jovens, começará por ser imaturamente atrevida se não se nortear por tais princípios. Passará a ser irresponsável se, ao traçar directivas ao trabalho dos profissinais de ensino, passar por cima dos saberes e experiência existentes nessa profissão (profissão, não apenas teoria sobre ela). E passará finalmente a ser culpada se desprezar os referidos princípios quando pretender ir mais longe e mais fundo que meras medidas avulsas e reversíveis ou corrigíveis - pois ir mais longe e mais fundo sem esses princípios leva a que cobaias de reformas se tornem irremediavelmente vítimas das mesmas.
Mas, aqui como pelo mundo, a classe política tem o privilégio da impunidade, pelo que nos resta esperar seriedade, fundamentação fidedigna, e também uma coisa simples que se chama bom senso.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Mudando de assunto... (recebido no mail)

O choque tecnológico

Aos "Engenhocas" - Uma memória (II)

(Continuação do post anterior)
O investimento (e desafio) na preparação das actividades do final do 1º Período foi na colocação nas mãos dos Engenhocas todas as tarefas de organização das mesmas.
O torneio de futebol, com a colaboração de um colega de Educação Física, teve participantes de todas as turmas - já não me recordo da metodologia, só me lembro que mobilizou várias e numerosas claques.
Para a quermesse (também uma ideia deles), angariaram nas turmas muitas ofertas de objectos vários, pedidos sob alguns critérios e todos registados num caderno. E a véspera, uma tarde a entrar pela noite, é uma das memórias mais marcadas que guardo da minha vida profissional. O Agostinho era o mais problemático, porque tinha com frequência, nas aulas, súbitos assomos de comportamento perturbado. A directora de turma apenas possuía um relatório médico vago, falava-se de uma suspeita de sintomas de esquisofrenia, mas ao certo nada se conseguia saber por parte da família. Por isso duvidámos do seu pedido de liderar a organização final da sala da quermesse, por isso começámos a observar com olhos incrédulos a sua iniciativa activa na marcação dos objectos, no registo organizado por categorias, na distribuição de tarefas incluindo o enrolamento de rifas, na meticulosa disposição segundo os critérios estéticos dele - que originaram uma grande mesa vistosa e apelativa. Preocupou-se também com folhas de registo para a caixa do dinheiro a entrar. (A verba que se obtivesse destinava-se a um melhoramento na escola que já não recordo qual foi). Em suma, a capacidade de organização do Agostinho foi uma revelação inesquecível e um espanto para os seus profesores quando a descrevemos.
A quermesse decorreu com sucesso e terminou em divertida animação decorrente da ideia de outro Engenhoca de leiloar os últimos objectos - fez rir professores e encarregados de educação e assim conseguiu despachar as sobras todas.
Não faltou, nas actividades do dia, uma visita à sala de professores, com discurso de votos de boas festas e distribuição de cartões.
Por último, um pormenor que faz sorrir: os nossos rapazes, habitualmente dos que maior vigilância requeriam no recreio, lembraram que ia haver visitantes, que era preciso assegurar a segurança e vigiar os alunos à solta para não haver perturbações, decidindo escalonarem-se para a vigilância (funcionários e professores que não se preocupassem...).

P.S. Integrar na escola pode não chegar a significar integrar na escola das aulas ou da maioria das aulas, aumentar o trabalho nalgumas destas e não ter atritos com professores. Trata-se de adolescentes à partida desconfiados dos adultos, que permanecem "de pé atrás", e os rótulos com que os professores os conhecem fazem que também alguns permaneçam de pé atrás, o que torna, nesses casos, o conflito ou atrito sempre à beira de acontecer.
Mas eles terminaram nesse ano o 2º Ciclo, já perto do limite da idade da escolaridade obrigatória, obviamente que houve atenção ao caminho que iam seguir, tivemos inicialmente notícias de todos, depois perdemo-los de vista.
Confio que experiências de valorização, em que sobretudo tenham oportunidade de se sentirem valorizados aos seus próprios olhos, não são inúteis.

Aos Engenhocas: Que, estejam onde estiverem, nenhum ande perdido, que todos estejam bem.

Aos "Engenhocas" - Uma memória (I)

Terá sido logo pelos princípios da década de 90, a minha escola ainda não tinha 3º Ciclo. A Ana e eu costumávamos estar metidas nalgum projecto conjunto, mas esse foi o mais "louco".
Apresentámo-lo no Conselho Pedagógico no final do ano lectivo anterior, que o aprovou apesar de, definido o habitual - finalidade, objectivos, etc. -, assumir, em vez de um plano de trabalho a desenvolver, que tinha precisamente que partir de um plano totalmente em aberto. Tratava-se de uma iniciativa com um grupo de alunos que seleccionáramos como os mais "cadastrados" da escola - alunos repetentes, com pelo menos um processo disciplinar decorrido, problemáticos nas aulas e nos recreios. Ganháramos para o projecto mais duas colegas e a disponibilidade de um colega de Educação Física para eventuais (mas previsíveis) iniciativas desportivas.
No início do ano lectivo, os nossos rapazes receberam cada um um convite para uma reunião que, aliás, foi a única que decorreu com todos conseguindo permanecer sentados, ao princípio timidamente disciplinados, depois de se terem olhado e decerto percebido mais ou menos o critério de escolha, mas sem se pronunciarem sobre isso, até porque apresentámos logo a nossa ideia: Formarmos um grupo que fosse tendo ideias e iniciativas para animar a escola e, dentro do possível, tornar também mais agradável o seu aspecto físico; era um convite, a adesão seria voluntária, dissemos que pensáramos neles por serem dos mais velhos, portanto mais capazes de corresponderem à nossa ideia.
Todos aderiram, eram 13, nenhum era nosso aluno (se a memória não me falha, isso foi mesmo um critério nosso). E logo decidiram não sair da reunião sem um nome para o grupo, o qual, depois de algumas propostas (deles, claro), foi aprovado de imediato por unanimidade como "Os Engenhocas" quando um deles o sugeriu. Combinámos também organizar um correio - que veio a ser um folheto com o respectivo logotipo, que deixávamos no porteiro com marcações de encontros gerais ou parcelares, notícias do decorrer das iniciativas, respostas do CD a propostas que vieram a fazer, etc. Ficaram ainda esboçadas nessa reunião pequenas primeiras iniciativas, definidos os encarregados das mesmas e marcados encontros, para melhor definição delas, com, respectivamente, uma de nós quatro (professoras).
Guardo para próximo post o único relato que farei para não me alongar demasiado - uma daquelas memórias que jamais se apagam: o segundo dos dois dias de actividades de final de 1º Peíodo, no âmbito das festividades de Natal, habitualmente realizando-se num só dia com paragem das aulas, mas dessa vez em dois porque o segundo veio a ser aprovado como "a cargo" dos Engenhocas face ao plano e à preparação havida.
Mas ainda conto qual a convicção que nos levou a este projecto (convicção que sei que é partilhada por muitos professores): dê-se-lhes responsabilidades, confie-se quando afirmam que as aceitam, e eles superam-se e revelam-se.

P.S. Lembro-me muitas vezes dessa experiência com os Engenhocas, não deixaria de aparecer neste meu cantinho de memórias, mas (há uma hora atrás, constipada e a tomar medidas preventivas de gripe, até tencionava não escrever nos próximos 3 ou 4 dias) não será que me pus agora a escrevê-la por ter na mente as projectadas turmas de repetentes?

terça-feira, janeiro 10, 2006

Em jeito de adenda (não me peçam para explicar porque me veio esta imagem)

Baron Wilhelm von Gloeden (1900)

Despachar os repetentes...

James Meyer, drifting youth

Pelo
despacho normativo nº1/2006 se despacharão os repetentes, só incomodam, que o que incomoda é a taxa de insucesso a dar tão má imagem do país...

O V. é meu aluno do 9º, conheci-o este ano, um adolescente já com 16 anos (não deve estar muito longe dos 17). Pelo que me disseram, não terá tido comportamento exemplar no seu passado escolar, e pela idade logo se vê que algumas vezes "chumbou". Mas mudou. Damo-nos bem, percebe-se que é um adolescente que não está completamente fora de risco, mas já repensa a vida e pensa no futuro. Nem teve plano de recuperação, numa turma em que houve 16 planos em 25 alunos. Começou pouco crente na Matemática, mas ganha a confiança e como cabecinha não lhe falta, singrou e o nível que justamente lhe atribuí no final do 1º Período foi aquele 3 que costumamos indicar ao aluno e ao director de turma como 3+.

Que teria feito ao V. o despacho que vai pôr em turmas de repetentes, com currículos alternativos, alunos até aos 15 anos com insucesso escolar repetido?

sábado, janeiro 07, 2006

Pormenor(?) no sucesso escolar na Finlândia

Os factores que parecem estar por detrás do sucesso da Finlândia no PISA de 2003 (resultados publicados em Dezembro de 2004) estão resumidos neste post do blog Os (In)Docentes, podendo ler-se os desenvolvimentos pelos links também nele colocados, pelo que não vou retomar o tema aqui. Quero apenas dizer que notei um pormenor:

"Peruskoulu – The primary school
Finnish children start school in the year that they turn seven years old. Since 1996, pre-school education has been required for all children after the age of six. The question of whether children should enter school earlier is no longer a matter of discussion."

Quando, há anos, passou a ser permitida entre nós a entrada no 1º Ciclo a crianças ainda com 5 anos, argumentou-se, a quem discordou, que não era obrigatório, era só uma permissão, ficando as famílias com liberdade de decidir. Mas são minoritárias as famílias que saibam equacionar a questão, nem têm que saber. Além de que o caso do meu neto é um bom exemplo de que não adianta ter a noção de que será vantajoso não entrarem tão cedo. Ele faz anos em Dezembro, e a decepção e o desgosto que percebemos se visse os seus coleguinhas da pré-primária seguirem para o 1º ano e ele não teve que anular a intenção que se tinha anteriormente.
Sem adiantar mais, fico pela pergunta: a norma na Finlândia será apenas um pormenor pouco relevante no âmbito dos factores que concorrem para um menor insucesso escolar? (Sempre que senti oportuna a pergunta a bons alunos, entre os 6º e 8º anos, que vi com dificuldades e até a ficarem aquém dos resultados a que aspiravam e para que trabalhavam, com quantos anos entraram no 1º ano, a resposta foi sempre a que esperava: com 5 anos)

sexta-feira, janeiro 06, 2006

...


para onde
nos atrai
o azul?

Guimarães Rosa













Kandinsky (1909), Blue Mountain

Regresso à tranquilidade

Quando pus este blogue "adiado" acho que estava a precisar mesmo de chegar ao cume de uma crise que, subterrânea, terá decorrido nos últimos meses. Porque as crises são muitas vezes necessárias para os saltos qualitativos para o outro lado. É caso para dizer: Ainda bem que...
- que terminei o 1º Período lectivo irritada com o panorama de uma ratoeira de burocracia em que as escolas se deixaram cair;
- que mais me cansei do que descansei numas férias de andanças dentro do pc e com ele às costas;
- que essas condições foram propícias a que uma gota fizesse transbordar o cálice da zanga logo no primeiro dia de regresso à escola.
Como já disse acima por outras palavras, tranbordar às vezes é necessário, é o tal cume que gera o desequilíbrio necessário à equilibração.
Andar a ser insultada como professora pelos acólitos da srª ministra já foi um osso muito duro de roer, mesmo voando os rótulos de irresponsabilidade e incompetência para as suas testas.
Mas mais difícil ainda foi sentir as minhas memórias desta profissão apaixonada em risco de ficarem soterradas numa recta final em que, ao fim de um percurso de 36 anos, pior que ver tudo na mesma é ver a bater no chão um sistema educativo que só não se foi desde há anos degradando ainda mais graças aos professores. Mas eu até sei (ou acredito) que também é preciso bater no fundo para haver revoluções - verdadeiras mudanças ou tranformações.

E para decidir que não tenho mais paciência para esperar e me vou embora JÁ... era preciso que tivessem deixado de existir eles - o motivo de termos querido ser professores, bem diferente dos motivos de se querer ser ministra da educação. (Além de que - questão logo em segundo lugar, pois a primeira é aquela a que acabei de aludir - alterar planos de vida por pressão exterior, mesmo que planos de prazo limitado, seria derrota. Decidi não me aposentar para o fazer quando EU achar que é altura de outro plano de vida - planos de vida só terminam no último dia - e assim espero fazer, mesmo que com ataques de zanga de vez em quando).

E termino este escrito com palavras de um dos últimos comentários que aqui me deixaram:

"Ter como prioridade o que realmente vale a pena... o que realmente é importante: a Vida! E manter o espírito aberto à possibilidade de que vale a pena ser professor... apesar de tudo o resto..."

(Um
comentário bem oportuno, Tit, mesmo tendo já eu reposto em equilíbrio as minhas prioridades!)

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Prioridades II




Uma boa vida tem como base o sentido do que queremos para nós em cada momento e daquilo que, realmente, vale como principal.
Guerdjef

Cláudio Bravo

Sugestões de leituras

- Aqui, do Inquietações Pedagógicas.
- Aqui, do Reflectindo.

Prioridades

Bem, do que ando a precisar é simplesmente rever e repor as minhas prioridades nas 24 horas de cada um dos 7 dias da semana. E, para mim, prioritário é...
- Acordar de espírito disponível, inclusive com vontade de estar com os alunos e, quando é preciso um raspanete geral, o fazer sem por dentro estar zangada - o que eles mesmo inconscientemente distinguem e até faz o raspanete ser ouvido com mais vontade de o levarem a sério.
- Distanciar-me ou alhear-me de ambientes de interesses, ou de imobilismo, ou, e sobretudo, de nebulosidade, e também de chuvadas de despachos e ofícios cretinos - que mesmo que estes tenham consequências irremediáveis (pelo menos a curto prazo), enquanto a chuva não pára só há que procurar chão seco.
- Proteger a tranquilidade das horas para que não haja telefonemas a amigos a adiar sempre para amanhã por falta de tempo.
- Não esquecer de ir vendo no jornal se vai passar um filme, uma peça de teatro ou um concerto a não perder.
- Não inventar cansaço ou stress para faltar ao ginásio - mas, repor a segunda prioridade indicada será suficiente para respeitar esta.
- Deitar a horas de ler o livro há uma semana marcado na mesma página.
- Pensar durante um dia antes de estrilar, em vez de pensar durante um minuto - ou pensar cinco minutos se vale a pena continuar a pensar ou se é caso que não vale a pena incluir em incómodos ou stress.
- Continuar a manter as minhas intocáveis liberdade e independência - aqui trata-se só de continuar, pois nunca tive medo nem abri mão de as preservar.

E, por agora, são as prioridades que me ocorrem - prioridades do quotidiano, pois as grandes da vida não mudam, mudam só conteúdos devido a novas circunstâncias, mas isso são ajustes, não são mudanças na linha essencial.

(Claro, há outras prioridades quotidianas, só mencionei as que têm andado descuidadas - e espero cumprir bem uma provisória, pois tenho uma nova aluna de sete anitos para que não se atrase na escola a que não vai poder ir durante as semanas de pernita engessada)

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Blogue adiado...

... tempo de decisões.
(A razão pode ser percebida no meu último comentário neste post do Miguel Pinto).

domingo, janeiro 01, 2006

Adenda

Trunk of an old yew tree

Van Gogh (1888)

1º dia de 2006... um momento pessoal

Excepcionalmente, um escrito não profissional, sim pessoal - mas não privado, que a existência dos meus netos com uma bisavó de 93 anos é pública na minha escola, como vai ser lá público que a minha neta de 7 anos fracturou uma perna neste primeiro dia do ano, quando amanhã me perguntarem se entrei bem nele.
Acidentes destes, bem como as habituais doenças infantis, fazem parte da infância, não são graves. Obrigam é a malabarismos na organização da assistência quando, como no caso, a curta família que vive próxima trabalha - e a mãe, que não é professora ou funcionária pública para ter direito a faltar para a assistência, até não sofreria, sem esse direito formal, qualquer penalização por faltar (a empresa onde trabalha não é desumana), mas acontece que essa solução seria caótica no trabalho que dela depende.
Mas há um quarto elemento da família vivendo próximo, a bisavó de 93 anos, ainda apta para contribuir para a organização que se impõe. Por isso, hoje escrevo para deixar:

À minha mãe, a minha homenagem e o meu pedido ao novo ano de 2006 que lhe conserve a mesma saúde e as mesmas forças (que, já frágeis, são ainda notáveis para a idade) que o ano de 2005 lhe conservou.